Padre Cícero Romão Batista
Padre Cícero Romão Batista: O Sacerdote “virtuoso” que o Povo entronizou no Altar de Juazeiro, convertendo o Vale do Cariri em Meca do Catolicismo Popular Brasileiro
Anchieta Martinez de Mont’Alverne[1] - Universidade Federal do Ceará (UFC)
Na então Vila do Crato (21.06.1764), no fértil Vale Caririense, deu-se, em 24 de março de 1844, o nascimento do futuro e famoso patriarca do Juazeiro, Padre Cícero Romão Batista, filho do comerciante Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana[2] (D. Quinô). O Padre Cícero, como qualquer criança de sua época, teve vida normal, e, a exemplo das demais, frequentou às aulas do Profº Rufino de Alcântara Montezuma e, em seguida, às do Padre João Marrocos Teles, quando, com este, estudou os rudimentos do latim, matéria esta que, no futuro, iria ser-lhe bastante útil, senão indispensável, no exercício do ministério sacerdotal.Com o objetivo de prosseguir nos estudos, em meio mais condizente com suas reais aspirações, matriculou-se no início de 1860 no, já destacado, Colégio do Padre Rolim (Inácio de Souza Rolim), em Cajazeiras, no então Estado da Paraíba do Norte.
Com o surgimento do Cólera-Morbo, que dizimou grande parte da população Cearense (1862-1863) inclusive, dentre estas, o genitor do Padre Cícero, Joaquim Romão Batista (18.08.1862) viu-se àquele na iminência de interromper os estudos e retornar ao Crato, para, na condição de único filho varão, cuidar dos negócios da família, constituída esta de sua santa mãe, D. Quinô, e das não menos dignas jovens irmãs: Maria AngélicaRomana – (Mariquinha) (24.08.1842-.... 1878) e Angélica Maria Romana - ou Angélica Vicência Romana (10.10.1849 - 06.10.1923), como quer o Padre Cícero.
Nesse período, mais precisamente nos primeiros meses do ano seguinte (10.04.1863), dava-se início, em Fortaleza, a construção do Seminário de SãoVicente de Paulo, historicamente, conhecido como Seminário da Prainha, porquanto instalado no outeiro desse nome, a cargo do primeiro Bispo da Diocese do Ceará, o angronenseD. Luís Antônio dos Santos (1861-1881).
Não se sabe ao certo, se o futuro patriarca do Juazeiro deu continuidade aos estudos em Cajazeiras, oportunidade em que, se positivo, teria sido contemporâneo do primeiro e futuro Cardeal Brasileiro (e da América Latina, inclusive), D.Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, por ocasião do ingresso deste no ano de 1863, porquanto é sabido que, quando da inauguração do Seminário da Prainha, com dois pavilhões, apenas, em 18 de outubro de 1864 - o suficiente para atender a 60 (sessenta) seminaristas - Padre Cícero, veio de matricular-se, no ano seguinte, aos 2 de abril de 1865, nas aulas de filosofia e retórica, consoante fotocópia de documento, a respeito, em nosso poder.
O primeiro aluno a matricular-se no seminário, quando de sua inauguração (18.10.1864), foi o aracatiense Joaquim Antunes de Oliveira, ordenado sacerdote católico, conjuntamente com o Padre Cícero e 15 outros presbíteros (10 cearenses e 7 pertencentes à Diocese de Olinda-PE.
Em ordenação geral – e não restrita – o Padre Cícero foi ordenado sacerdote católico no dia 30 de novembro de 1870 (quarta feira), na Catedral Velha de Fortaleza, pelo Exmo. e Revmo. Sr. D. Luís Antônio dos Santos, 1º Bispo da Diocese do Ceará, oportunidade em que, juntamente com o neo-sacerdote (Pe. Cícero), foram ordenados 17 presbíteros, sendo 10 (cearenses) e 07 (sete) da diocese de Olinda-PE, cuja turma constava dos seguintes padres: 1) Joaquim Antunes de Oliveira, 2) Joaquim Rodrigues de Menezes e Silva, 3) João Paulo Barbosa, 4) Antônio Bezerra de Menezes, 5) Joaquim Romualdo de Holanda, 6) José Lourenço da Costa Aguiar (futuro bispo do Amazonas), 7) Cincinato do Carmo Chaves,8) Cícero Romão Batista, 9) Raimundo da Costa Moreira, 10) José Silvino da Costa Moreira. Os da Diocese de Olinda e Recife, em número de 7 (sete), são: 1) Sebastião Constantino de Medeiro, 2) José Ferreira da Silva, 3) Francisco Raymundo da Cunha Barbosa, 4) João Augusto do Nascimento Pereira, 5) Manoel José Martins de Carvalho, 6) Floriano Belmiro da Costa e Silva e 7) Veríssimo da Silva Pinheiro.
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Com a morte do primeiro Capelão do Povoado de Joaseiro, Padre Pedro Ribeiro da Silva, ocorrida em 1833 – cuja Capela ele a fez construir e a inaugurou, em 15 de setembro de 1827, sob a invocação de Nossa Senhora das Dores – sucederam-lhe quatro outros sacerdotes, sendo o 5º o Padre Antônio de Almeida (de Azevedo Coutinho), que, além de suas funções sacerdotais, exercia o magistério escolar, eis que indicado, por sugestão do Padre CarlosAugusto Peixoto de Alencar (Diretor Geral da Instrução Pública do Ceará) ao Presidente da Província, JoãoSilveira da Silva, para professor da Escola de Primeiras Letras (aulas régias) de Joaseiro, quando de sua criação pela Lei Provincial nº 863, de 1º de Setembro de 1858, cujo ato de nomeação do titular é datado de 11.11.1858, consoante expedientes em nosso poder. Urge salientar que mencionada escola contava, à época, com 48 alunos do sexo masculino.
Ocorrida a sua ordenação sacerdotal, em data supramencionada, era desejo do Padre Cícero dar continuidade ao magistério, a exemplo do que, quando seminarista, na Prainha, veio de exercê-lo, por observância e sugestão dos próprios professores, consoante registrado à página 74 do Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará, editado quando das comemorações do seu cinquentenário, em 1914, na forma como se segue: “..., na míngua de pessoal, pois os neo-sacerdotes eram insuficientes para as paróquias, teve-se recursos ao Curso Teológico, que fornecia anualmente dois teólogos dos mais capacitados. Logo no 2º ano letivo, lemos os nomes de dois cursistas, pouco depois elevados ao Sacerdócio: Padre Manoel Peixoto da Silva e Padre Cícero Romão Batista. Coube ao Padre Manoel Peixoto lecionar o 2º ano e algumas cadeiras do 3º; e ao Padre Cícero Romão as aulas do 1º ano”.
Em 1872 (11.04), quando da vinda, definitiva, do Padre Cícero para Joaseiro, em atenção ao convite que lhe fora formulado pelas principais famílias da comunidade (Semeão Correia de Macedo, etc.), por ocasião da celebração da Missa de Natal do ano de 1871, o povoado já se achava, sobre certos aspectos, bastante adiantado, haja vista que, quando aqui esteve, em 1856, o Profº João Gonçalves Dias Sobreira, o povoado contava com cerca de 60 (sessenta) casas e, consequentemente, com uma população em torno de 400 habitantes, à época, inclusive, já provida de uma sub-delegacia de polícia, dados estes existentes, diga-se de passagem,muitos anos antes da chegada do Padre Cícero à futura “Meca do Cariri”, conforme se depreende das seguintes obras: “Ensaio Estatístico da Província do Ceará” – Tomos I e II (1863), de autoria do Senador do Império, Padre Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, e” Curiosidades e Factos Notáveis do Ceará”, este último a cargo do Profº J. G. Dias Sobreira (1921), e não como querem alguns “pesquisadores de oitiva”.
O Padre Cícero, a contar de sua chegada, teve suas atividades religiosas habituais voltadas para a comunidade, exceto quando teve que redobrar seus esforços por ocasião da reconstrução da Capela de Nossa Senhora das Dores, que, ao inaugurar-se em 1884, mereceu do então Bispo do Ceará, D. Joaquim José Vieira, quando, da bênção e da consagração do altar, veio assegurar de forma expressiva e estimuladora: “A Capela do Joaseiro começada no princípio de 1875 pelo Padre Cícero Romão Batista, sacerdote inteligente, modesto e virtuoso. É um monumento que atesta, eloquentemente, o poder da fé e da Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana, pois é admirável que um sacerdote pobre tenha podido construir um templo vasto e arquitetônico em tempos anormais, quais àqueles que atravessa essa diocese, assolada pela seca, fome e peste”.
Como se observa, o Padre Cícero, havia pouco, se defrontara com os graves problemas da Seca, que assolava toda a Província, quando veio de integrar a Comissão de Socorros da Povoação de Joaseiro, em razão da grande seca que infelicitou o Ceará no período de 1877 a 1879, e da qual faziam parte, além do Padre Cícero, na condição de Presidente, os Srs. José Joaquim da Rocha, Henrique Alves Vieira e Antônio Gonçalves Landim, consoante expediente, dentre outros, datado de 12 de julho de 1879, dirigido pela Comissão, em apreço, ao Exmo. Sr. Dr. José Júlio de A. Barros, então Presidente da Província do Ceará, acusando e agradecendo o recebimento de víveres (que menciona...) para serem distribuídos com os indigentes desta localidade, assolados pela inclemência das Secas dos três sete (1877, 1878 e 1879). Consta-nos que o Padre Cícero – pelo que se conclui da documentação nesse sentido – foi bastante diligente e criterioso no exercício da missão que lhe fora confiada na condição de seu responsável maior.
É do seguinte teor o documento, que, a seguir, exporei a título de ilustração: “Comissão de Socorros da Povoação de Joaseiro em 12 de julho de 1879.
Esta Comissão tem a honra de comunicar a V. Sa. que acaba de lhe serem entregue pelo Capitão Antônio Moreira de Souza a partida de víveres que segundo a comunicação oficial da Secretaria da Presidência de 5 de abril sob nº 2388 foi por V. Exa. enviado a esta Comissão, constante de quatro mil e quinhentos (4:500) quilogramas de farinha, três mil e seiscentos (3.600) de arroz, três mil e seiscentos (3:600) de feijão, e mil e oitocentos (1:800) de carne do sul para serem distribuídos com os indigentes desta localidade.
Releva informar a V. Exa. que o mesmo Sr. Moreira procedeu dos ditos gêneros com todo o zelo, prontidão e fidelidade.
Aproveitamos a ocasião para manifestar a V. Exa. os nossos protestos da mais firme adesão ao Governo, e dedicação a pessoa de V. Exa. a quem
Deus guarde.
Ilmo. E Exmo. Sr. Sr. Dr. José Júlio de A. Barros
MD. Presidente da Província do Ceará
Como se há de convir, nesses 16 anos, 10 meses e 20 dias que antecederam os fatos “miraculosos” ocorridos no povoado de Joaseiro, tudo se dava em perfeita paz. Padre Cícero cuidando do seu pequeno rebanho, provido de gente pacata e humilde, sempre atenta em ouvir e obedecer a palavra de Deus através desse piedoso levita, conquistando, por sua vez, o jovem e vontadoso sacerdote a tudo e a todos. Em um meio que, por sua ambiência interiorana, quase ao sopé da verdejante Serra do Araripe, tinha tudo em comunhão com a natureza. Padre Cícero era, há um tempo, pregador e conselheiro, além de tudo envidar esforços para a manutenção da paz e da tranquilidade familiares. Era uma espécie de “pároco de aldeia”. Constituía Joaseiro, então, de um pequeno povoado encravado no sítio do mesmo nome, de propriedade, por herança, do Padre Pedro Ribeiro da Silva, neto do brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, sacerdote este ordenado no seminário de Olinda, Estado de Pernambuco, quando veio a falecer em 1833, aos 43 de idade,e, portanto, 39 anos antes da chegada do Padre Cícero ao então povoado do Joaseiro.
Tudo ia bem: trabalho e oração, ordem e disciplina. Esperança em tudo – e para melhor: material e espiritualmente. Mas como tudo sói acontecer, o inesperado da hora estava por surgir, quando àquele meio rústico mas tranquilo, surpreendentemente, muda o curso da história com o “milagre” da hóstia, eis que esta se transforma em sangue, em 1º de março de 1889, uma vez ministrada, pelo Padre Cícero, na boca de uma humilde beata. Tudo se pode imaginar: algo extraordinário, incomum: vexame, inquietação, esperança, problemas e mais problemas no futuro. Joaseiro passa a ser alvo de tudo e de todos.
A imprensa divulga: um acontecimento incomum e extraordinário. Começam as visitas, as romarias – Joaseiro é consequência, na origem, para seu crescimento, e problemas, ademais, para o Padre Cícero, no futuro que já começara, e que passa a ter uma vida inquietante e, ao mesmo tempo, conflitante perante as autoridades eclesiásticas, que o conduziram a um eterno dilema perante a Igreja, convicto que estava o Padre Cícero na veracidade do milagre ocorrido com a beata Maria de Araujo, e assim morreu. No cumprimento de sua missão – e de forma a elucidar os fatos, então ocorridos, D. Joaquim José Vieira, 2º Bispo do Ceará (1883-1912), nomeou uma comissão visando averiguar a realidade dos fatos, nas pessoas de dois ilustres sacerdotes, quais sejam: Clicério da Costa Lobo, aracatiense (28.05.1839-30.11.1916), antigo aluno do Seminário de Olinda e, posteriormente, no Arquiepiscopal de Salvador, na Bahia, vindo, contudo, a se ordenar por D. Luiz Antônio dos Santos, primeiro Bispo do Ceará (1861-1881), quando lhe foi conferido o presbiterato aos 23 de dezembro de 1863. Colaborou, na condição de Professor – a pedido de D. Luiz Antônio dos Santos -, no Seminário da Prainha, em Fortaleza, promovido a Juiz Eclesiástico e, por solicitação de D. Joaquim, foi indicado, em 1888 para auxiliá-lo naconfecção das Constituições Sinodais, que, em seguida, seriam apresentadas no SínodoDiocesano, ocorrido em prefalado ano.
Presidiu, outrossim, a Comissão de Inquérito acerca dos fatos ocorridos no Joaseiro, juntamente com o Padre Francisco Ferreira Antero, funcionando este como Secretário. Foi suspenso de ordens, em 3 de agosto de 1892, em consequência de implicações posteriores decorrentes da questão religiosa do Joaseiro, cujo ato D. Joaquim assinou chorando, segundo o testemunho de D. Manoel da Silva Gomes. Graças!..., em 1898 foi provido de ordens.
Respeitante ao Padre Francisco Ferreira Antero – Icoense (1º.05.1855-07.11.1929), como assegurei, foi nomeado membro da comissão, funcionando nesta como Secretário. Consoante o Barão de Studart, em seu famoso Dicionário Bio-Bibliográfico Cearense, “o candidato ao Ministério Divino, conquistou um a um os louros da ciência, vindo a doutorar-se em filosofia pela Universidade Gregoriana, no ano de 1878, sendo, posteriormente, sagrado presbítero, em Roma, no ano de 1881, tendo como celebrante do ato o Cardeal Monaco La Valleta. No Ceará, destacou-se como propagador da Devoção ao Sagrado Coração de Jesus, erguendo, para tanto, um templo consagrado ao Divino Coração. Na exposição vaticana, por ocasião do Jubileu Sacerdotal do Papa Leão XIII, representou as Dioceses de Fortaleza e Olinda-PE,em Roma, quando das comemorações do jubileu sacerdotal do famoso Papa Leão XIII, oportunidade em que foi, pelo ilustre Pontífice, aos 30.12.1888, agraciado com a comenda Por EcclesiaetPontifice.
Como as especulações aumentavam, e as implicações mais ainda pairavam, pelas dúvidas suscitadas, D. Joaquim José Vieira, baixou Portaria com data de 21 de junho de 1891, nomeando os supracitados sacerdotes para averiguar a veracidade ou não dos fatos ocorridos na Capela do Joaseiro, inobstante soubesse que seria impossível, à luz dos preceitos teológicos, dar-se uma nova redenção. A comissão ouviu inúmeras testemunhas: padres, leigos, beatas, inclusive médicos de nomeada que emitiram pareceres a respeito, concluindo, enfim, pela sobrenaturalidade dos fatos ocorridos na Capela do Joaseiro, dando os membros da Comissão os trabalhos por encerrados a 12 de outubro de 1891, perdurando, portanto, o primeiro inquérito por um período de 1 (um) mês e 3 (três) dias.
Como os resultados desse primeiro inquérito não atingiram os objetivos esperados, D. Joaquim, simplesmente, designou, uma nova Comissão, constituídas dos Padres Antônio Alexandrino de Alencar, então vigário do Crato, e Manoel Cândido dos Santos, Pároco de Barbalha, funcionando, respectivamente, como Presidente e Secretário. O segundo inquérito foi mais objetivo, começando seus trabalhos no dia 20 de abril de 1892, já os dava por encerrados 3 (três) dias após, ou seja, aos 22 do referido mês. Como consequência do resultado desse último inquérito, que o julgou improcedente (embuste) D. Joaquim, baixou Portaria datada de 6 de agosto de 1892, suspendendo o Padre Cícero Romão Batista das faculdades de pregar e confessar, na sua Diocese, inclusive da administração de qualquer sacramento, podendo tão somente celebrar o Santo Sacrifício da Missa.
Urge, entretanto, salientar que o que mais concorreu para a suspensão do pranteado sacerdote não foi, como era de se esperar, tão somente o resultado do segundo inquérito, que o julgou improcedente, mas, sobretudo, em decorrência do roubo dos paninhos do sacrário da Matriz do Crato que motivou ainda mais a suspensão do Padre Cícero, como se conclui da leitura atenta do Ofício datado de 24 de outubro de 1892, do Padre Francisco Ferreira Antero (ainda não havia sido suspenso) a D. Joaquim José Vieira”...; a infâmia se tem ajuntado a calúnia do roubo dos panos, como também outra atribuindoao R. P. Cícero o referido roubo, provindo daí tristes consequências,pois como declarou-me V. Exa. foi o que mais determinou V. Exa. a suspender o R. Pe. Cícero.” A calúnia o quanto pode!, e esta perseguiu sempre o Padre Cícero. Mas “a verdade - como sentenciou o célebre e imortal vate paraibano, Augusto dos Anjos “a verdade virá das pedras mortas e o homem compreenderá todas as portas que ele ainda tem de abrir para o Infinito”. Oxalá possam essas portas prenunciarem uma nova aurora, pondo fim a um dilema ultra secular, porquanto nem sempre certas decisões são fundamentadas em verdades irrefutáveis: haja vista que em 1910, quando do falecimento do humanista - José Joaquim Teles Marrocos -, (atribua-se a ele ou não), os paninhos foram encontrados em seus pertences, em pequeno sobrado, no Crato, que os conservava sempre à luz de uma vela acesa.
Afinal, no dia 30 de setembro de 1949 - assegurou-me esta data o Padre Antônio Batista Vieira, citando, inclusive, o Santo do dia: São Jerônimo – por determinação de D. Francisco de Assis Pires, Bispo Diocesano do Crato, o Mons. Joviniano Barreto e os Padres Francisco Custódio Limeira e o, anteriormente citado, Antônio Batista Vieira, de posse da caixa de madeira com os paninhos, os queimaram e enterraram as cinzas nos fundos do Seminário do Crato. O Padre Antônio Vieira - homem de visão – fez ver ao Sr. Bispo a importância daqueles paninhos para a história da Igreja no Cariri, Ceará, e mesmo do Brasil, mas o Bispo foi incisivo, e assim o fez. Detalhes estes – além dos de Otacílio Anselmo – contados pelo o autor de “O Jumento, Nosso Irmão”.
O processo, devidamente organizado, foi encaminhado, em março de 1893, à Cidade Eterna, por intermédio de D. Jerônimo Tomé da Silva, à época Bispo do Pará – que, de passagem por Fortaleza com destino a Pernambuco -, foi-lhe entregue por D. Joaquim José Vieira ao ilustre antístite, que tratou de encaminhá-lo ao Tribunal da Santa Inquisição Romana, visando objetivos predeterminados. Com fundamento nas decisões do Tribunal da Santa Inquisição Romana e Universal, “os fatos do Joaseiro‘foram condenados’ como prodígios vãos e supersticiosos”... Com base nessas decisões e informações outras que chegavam acerca de atitudes e práticas do Padre Cícero já reprovadas pelo diocesano, baixou o Sr. Bispo a Portaria de 13 de abril de 1896, suspendendo, a Divinis, o Padre Cícero, desta feita, inclusive, da faculdade de celebrar a Santa Missa. Era o começo do “calvário”..., que perdurou por 38 longos anos, quando de sua passagem desta para a eternidade, sem ódio nem rancores, ocorrida às 06h00 do dia 20 de março de 1934 (ver apêndice).
Em consequência da criação da Diocese do Crato pelo Decreto Consistorial – Bula CotholicaeEcclesiae, de 20.10.1914, de Sua Santidade o Papa Bento XV, e posse do primeiro Bispo, D. Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva, em 01.01.1916, os negócios de Joaseiro, na esfera religiosa, passaram a ser geridos, literalmente, pelo novo antístite, que, de princípio, se afigurou bastante sensível à causa do Padre Cícero Romão Batista, havendo, inclusive, se interessado, mediante determinadas condicionantes e avaliações, pelo seu retorno ao magistério da Igreja, onde, certamente, passaria a exercer o ministério sacerdotal com desvelo, acendrado espírito de abnegação e arraigado amor à causa da religião dos seus antepassados.
É inegável, a bem da verdade – e como se frisou acima -, que certos acontecimentos, na segunda década do século XX, enriqueceram, de forma acentuada e surpreendente, a história religiosa do Cariri, senão vejamos: a) Criação da Diocese do Crato; b) Indicação e posse do seu primeiro Bispo, D. Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva; c) Primeira Visita Pastoral a Joaseiro, no período de 22 a 30.12.1916 – constituída, além do ilustre prelado, dos Padres Joviniano Barreto e Horácio Teixeira, e dos Seminaristas, Azarias Sobreira, Edmundo Milfont e José Rodrigues Biliu -; d) Restituição das faculdades do Padre Cícero de celebrar a Santa Missa, em Joaseiro, a partir do 01.01.1917, da qual se achava afastado, havia mais de vinte (20) anos; e) Criação da Paróquia de Nossa Senhora das Dores, em Joaseiro, no dia 21 de janeiro de 1917, e f) consequente posse do seu primeiro vigário, Padre Pedro Esmeraldo Gonçalves da Silva, na data supracitada.
Inobstante essas medidas inovadoras, –e porque não dizê-lo alvissareiras –, dormitava nas gavetas do Bispado do Crato, documento de indiscutível gravidade, recém chegado da Nunciatura Apostólica, no Rio de Janeiro, subscrito pelo Núncio Giuseppe Aversa, e datado de 14 de abril de 1917, que punha em prática decisão do Santo Ofício, do ano anterior. Tratava-se do Decreto de Excomunhão do Padre Cícero, que D. Quintino, provido de discernimento e de muita cautela, decidiu por não executá-lo naquele momento, não se sabendo ao certo –,se por razões de idade ou de saúde do Padre Cícero – como sugerem alguns ou, quem sabe, por não desejar dar começo à sua gestão à frente da nova Diocese, tendo que enfrentar intricados problemas, na esfera religiosa, com o Padre Cícero, é que, como sempre deixou transparecer, lhe acudia o espírito o firme propósito de reabilitar o Padre Cícero e o de inaugurar, ademais, na recém criada Diocese, um período de paz e da busca do desenvolvimento espiritual do seu rebanho, imbuído que estava de entusiasmo e esperançado em sua visão de pastor.
Conhecendo melhor o Padre Cícero, de quem fora, inclusive, hóspede, em momentos de dificuldades, como da região e da índole ordeira, - mas sensível – do seu generoso povo, urgia aguardar, para outra ocasião, se necessário, tão grave decisão, só o fazendo caso as circunstâncias a isso o recomendassem.
Em que pese àquelas ponderações, houvera-se bem o Padre Cícero no cumprimento do desempenho do ministério sacerdotal, quando, intempestivamente, sem razões e/ou explicações plausíveis – após celebrar a Santa Missa por mais de três (3) anos – decide D. Quintino, executar o Decreto de 29.04.1917, encaminhando-o ao destinatário pelos Correios – que diplomacia! – Afigura-se-nos uma contradição – não se sabe ao certo o que o Padre Cícero fizera de menos – para voltar a celebrar Missa – ou de tão grave, para que, em exíguo espaço de tempo, ser merecedor da executoriedade da pena máxima de excomunhão, não fora, previamente, o recebedor do documento ninguém nada menos que o Dr. Floro Bartolomeu da Costa que, como intérprete da situação e da gravidade do momento, não o mostrou ao Padre Cícero, sequer deu-lhe conhecimento, na expectativa de que algo desanimador viesse acontecer com o pranteado sacerdote.
Ávido em tudo que perseguia – o Dr. Floro não era homem para protelar a solução de determinados problemas – cumpria-lhe inseguir o espírito à procura, ainda que impulsivamente, se necessário, de uma solução, a qualquer preço, para o seu constituinte – tal se lhe afigurava a energia e o poder de decisão -, através de um diálogo franco, objetivo e esclarecedor. Isto posto, procurou, preliminarmente, uma melhor acomodação desse desiderato mediante entendimento pessoal entre o Vigário de Joaseiro, Padre Pedro Esmeraldo e o Senhor Bispo Diocesano, D. Quintino, objetivando a consecução de uma audiência.
Como não foi atendido em seus propósitos - que viesse por fim àquele impasse -, e que satisfizesse não só às suas pretensões, mas especialmente, às do seu constituinte, insatisfeito, Dr. Floro solicitou, pessoalmente, uma audiência com a autoridade diocesana, no que foi, prontamente, atendido. Pela data do ofício (29.04.1920) – e dado o vexame da hora -, a audiência se verificou dias imediatamente após o recebimento do documento pelo Dr. Floro, princípios de maio de 1920, já que este não era muito de adiar certos compromissos – conforme assegurara antes. A audiência, no Bispado, em Crato, perdurou por um período de seis (6) horas, das 12 às 18 horas, segundo afirmou Dr. Floro, eu seu famoso discurso na Câmara Federal, datado do dia 13 de setembro de 1923.
Aqui um reparo, que estimaria não fazê-lo: o brasilianista Ralph Della Cava, às páginas 240, do seu famoso livro – MILAGRE EM JOAZEIRO –, assegurara que a audiência entre D. Quintino e o Dr. Floro deu-se em 1918, o que me leva a pensar o contrário, já que, em termos oficiais, o documento foi expedido ao Padre Cícero dois anos após (29.04.20), e o encontro entre ambos se verificou em consequência deste expediente.
É inegável que o momento foi, sobremodo, aprazado para que o Dr. Floro expusesse e esclarecesse, com inteligência e determinação, conhecimento e agudeza de espírito, toda essa problemática, que perdurava insolúvel por dezenas de anos, agora sem maior gravidade de posse do mandado de excomunhão em seu poder. Floro além de doutor em medicina[3].Era advogado nato e afeito ao debate, capaz de interpenetrar no espírito do adversário e extrair os elementos indispensáveis à defesa do seu constituinte, soube, com fundadas razões, expor todas as ocorrências e injustiças lançadas contra o Padre Cícero, ao longo do tempo, e que, obediente, a tudo ouvia, sofria e perdoava, confiando no julgamento da paternidade absoluta de Deus, donde emana e procede toda a verdadeira justiça.
Nesta hora – penso – que seria do Padre Cícero se Floro tivesse, efetivamente, retornado à terra de origem nos momentos que antecederam o movimento armado que culminou com a Sedição do Juazeiro caso o Padre Cícero não viesse a concordar com sua deflagração!? Certamente, que os incapazes mais sequiosos de poder não iriam fazê-lo, eis que a natureza não lhes proporcionou certos privilégios de que só os doutos são providencialmente capazes.
Naquele longo e decisivo encontro, julgando um desfecho inesperado, em nada favorável ao sacerdote indefeso – quando Floro mostrou a inconveniência de aplicabilidade da pena de excomunhão, não só por ser injusta e sem amparo legal, como por achar-se o Padre Cícero, já carregado em anos – de tantos sofrimentos – Floro, antevendo as reações e consequências negativas, se consumado aquele ato, caso o Padre Cícero não suportasse a medida, ousou assegurar ao senhor Bispo que “nessa ocasião tive o ensejo de perceber, com toda a segurança, a natureza da perseguição; e, por isso, assegurei ao ilustre diocesano que o Padre Cícero já me havia afirmado que suportaria tudo com paciência todas as coações, mas não que não apostataria, afirmando-lhe, ao mesmo tempo, que se, injustamente, ele fosse excomungado, eu, diante da inominável injustiça, o reabilitaria moralmente perante o mundo católico e profano”, conforme “Juazeiro e o Padre Cícero”, pp.65/66 – Discurso na Câmara Federal, datado de 13.09.1923.
Nessa ocasião, D. Quintino, num ato de coragem e de ponderada reflexão, solicitou o documento que estava em poder do Dr. Floro, no que lhe foi atendido prontamente, retendo-o e o guardando em seguida nos seus arquivos “implacáveis”, dando, assim, o caso por encerrado, não se verificando, portanto, o ato de excomunhão.
Segundo o brasilianista, Halph Della Cava, D. Quintino, a partir daí, tornou-se mais acessível e moderado com as coisas do Joaseiro.
Em 9 de novembro de 1920, D. Quintino, em ofício elaborado na Nunciatura Apostólica, no Rio de Janeiro – e enviado ao Papa Bento XV, após tecer várias considerações, solicitou, dentre outros, a própria reabilitação do Padre Cícero, como da não execução do mencionado documento (mandado de excomunhão), nos seguintes termos: “O mesmo suplicante pede permissão para manifestar o seu parecer a fim de que não seja executada a publicação do mandato, e exprime seus votos e desejos de que, pelo bem da paz, seja o Pe. Cícero Romão Batista absolvido das censuras em que incorreu e lhe seja concedida a faculdade de celebrar a Santa Missa também em Juazeiro, suposta a cláusula especial de observar fielmente as declarações por ele emitidas”.
Desse documento, resultou como resposta de Sua Santidade, através do Santo Ofício, a absolvição das censuras e, por consequência, a retirada do mandado de excomunhão (ainda não executado, diga-se de passagem), permanecendo, no entanto, a irregularidade, (suspensão das ordens sacerdotais), que lhe vedava a celebração da Santa Missa e procedimento da administração dos sacramentos.
Louve-se ao Floro, por sua ação enérgica, a não execução desde ato extemporâneo – quem o faria em seu lugar?! – e ao Senhor Bispo que foi sensível e coerente à dureza da realidade!
Emancipação Política de Juazeiro
Nas duas primeiras décadas do século XX, certos acontecimentos marcaram a história sócio-política do estado do Ceará, nomeadamente, dentre outros, poderíamos enumerar como tais: - a) queda da oligarquia aciolyna – que perdurou por quase duas décadas - b), emancipação política de Juazeiro c), ingresso do Padre Cícero na política d), e, para não ficar só nestes, e) a sedição de Joazeiro, cujos fatos, à luz de seus respectivos desdobramentos, foram surgindo, consoante evoluções políticas da época, quando, segundo o erudito e abalisado escritor Joaryvar Macedo, “o fenômeno do coronelismo, no território pátrio, esboçou-se na Colônia, tornou-se realidade no Império e consolidou-se após o advento da República” e “atingindo o fastígio com a Política dos Governadores”.
O povo, insatisfeito, foi às ruas, exigiu o fim da oligarquia e, assim, o Comendador Antônio Pinto Nogueira Acioli (1896/1912), foi apeado da Chefia do Poder Executivo Cearense no dia 24 de janeiro de 1912, não conseguindo, inclusive, posto que nomeado por este, deixar como substituto o Dr. Maurício Graco Cardoso – uma criação aciolina –, Vice-Presidente do Estado, que, em sendo da mesma corrente política do oligarca, viu-se na contingência de deixar o cargo, poucos minutos depois, impossibilitado de governar o Estado, por ir de encontro à vontade da grande massa popular, e, diante do impasse, renunciou.
Convidado, na condição de 3° Vice-Presidente – mas alegando sentir-se incomodado por motivo de saúde – assumiu, entretanto, o Governo do Estado o capitalista Antônio Frederico de Carvalho Motta, no dia 24 de janeiro de 1912, mediante a condição de contar com o “franco apoio do Coronel José Faustino da Silva, então Inspetor da Quarta Região Militar para que o garantisse no Governo”, afirmação esta de Rodolfo Teófilo, em seu “Libertação do Ceará”, e que o convidara para assumir o cargo, uma vez ausente e segundo desse posto, permanecendo no governo do Estado até o dia 12.07.1912, oportunidade em que deixou o poder Executivo Estadual, assumindo, em seu lugar, o Presidente da Assembleia Legislativa, Coronel Belizário Cícero Alexandrino, interinamente, até a chegada do Cel. Marcos Franco Rabello, ocorrida dois dias após, quando assumiu, efetivamente, às rédeas do Estado, aos 14.07.1912.
Como se observa, Franco Rabelo, por força da lei maior do Estado, não estava credenciado para nomear ou exonerar quem quer que fosse, recuando no tempo, a 07.02.1912, data da destituição do Padre Cícero do cargo de Intendente Municipal, como se tem dito até hoje, reforçando essa assertiva o fato de que, havia muitos anos afastado do Ceará, só chegou a esta terra, como candidato ao governo, no dia 15.03.1912, sendo recebido, entusiástica e apoteoticamente, pela população.
Circunstâncias impeditivas e entraves outros emergidos da política cratense – a bela e acolhedora cidade do Crato, centro convergente e de tradições sócio-político-culturais que lhe dão destaques e engrandecimentos... –, entremeados de desentendimentos com o Coronel Antônio Luis Alves Pequeno, fez com que, de forma abrupta, viesse para a Vila de Joazeiro – de antanho –, em 04.10.1907 – fixando residência na casa do Padre Cícero –, o combativo e destemido sacerdote, Padre Joaquim (Marques) de Alencar Peixoto. Em 1909, a Vila de Joazeiro – que em toda a dimensão de sua territorialidade – contava com uma população de 15.050 habitantes, consoante pesquisa levada a efeito por determinação do Padre Cícero/Dr. Floro, o que veio de despertar o interesse das autoridades em promover sua emancipação política, independendo-a do município do Crato, já que, e além do mais, esta povoação (Vila do Joazeiro) pouco ou nada recebia de benefício do muito que despendia em termos de impostos, para o município do Crato.
Com a criação da Diocese da Paraíba, em 27 de abril de 1892, pelo grande Papa Leão XIII, é designado seu primeiro Bispo D. Adauto Aurélio de Miranda Henriques (posteriormente, arcebispo), com posse em 04.03.0894, quando é, na mesma data, criado pelo ilustre prelado o Seminário Arquidiocesano da Paraíba. O futuro Padre Alencar Peixoto nasceu no Crato, em 26 de abril de 1871, onde fez os primeiros estudos, inclusive no Seminário de São José, da mesma cidade. Transferindo-se, posteriormente, para os de Olinda e Fortaleza, vai, enfim, concluir seus estudos, no Seminário da Paraíba, onde se ordena no dia 04.11.1897, conjuntamente com três outros colegas: Francisco Gonçalves de Almeida, Joaquim Cyrillo de Sá e Severino Leite Pinto Ramalho (todos naturais da Paraíba), em cerimônia presidida por D. Adauto, na Igreja de Nossa Senhora das Neves. Coincidência ou não, é, Alencar Peixoto, da quarta turma do Seminário, a mesma do Padre Cícero, da Prainha, em Fortaleza, sendo que este tem como número de ordem (e não de matrícula) 51 e Alencar Peixoto, 11. A primeira turma do Seminário da Prainha teve lugar em 1867, com a ordenação de doze novos presbíteros cearenses dos quais fazia parte o Mons. Antônio Alexandrino de Alencar, cujas notas foram as melhores naquele famoso e vetusto Seminário, provavelmente, não alcançada por outros.
É possível – e disto se conclui – que Alencar Peixoto não reunisse, em torno de si, os qualificativos indispensáveis ao jogo político, com habilidade necessária no enfrentamento de certas necessidades futuras, dos quais Floro fez história, por ser hábil nos conchavos políticos e dotado de acentuada visão na defesa de problemas maiores perante os poderes constituídos: Governos Federal e Estadual, a Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa, quando pronunciou corajosos e brilhantes discursos, como, esobretudo, Assessorar o Padre Cícero na solução de intrincados problemas e desafios outros, que contribuíram para o engrandecimento da história política e do desenvolvimento da região do Cariri, nesta Juazeiro em particular.
Homem de visão, em sua futurologia política, enxergava Alencar Peixoto, como é natural, não só uma oportunidade de desforra contra o seu desafeto, Cel. Antônio Luís, como outrossim, uma possível oportunidade de ingressar, conseguido o êxito esperado, nesse embate (emancipação), o seu ingresso na política local, como reconhecimento dos serviços levados a efeito nessa causa comum e do real interesse de todos...
Como veículo de enfrentamento ideológico e de combatividade, é, à época, criado o jornal “O REBATE”, pelo Padre Alencar Peixoto, cuja primeira tiragem deu-se em 18.07.1909, há cem anos, portanto. A lógica dos detalhes não cabe nestas páginas, daí restringir-se ao essencial. Contudo, espírito irascível e atrabiliário, era o Padre Alencar Peixoto, por sua cultura e tenacidade, um homem talhado para grandes e difíceis disposições do espírito, como se verificou com a luta que encetou pela emancipação política do Joazeiro, coadjuvado pelo Dr. Floro Bartolomeu da Costa e, nos seus momentos iniciais (pois a morte lhe abreviou os passos), o humanista e intelectual, José Joaquim Teles Marrocos, inspirados, evidentemente, na incansável e veneranda figura do Padre Cícero, idealizador e responsável maior pelos destinos da fatura “Meca” do Cariri.
Em política há sempre o jogo de interesse, sobretudo quando se depende do Poder Superior para solução dos nossos problemas. Circunstâncias estas em que se houve bem o Padre Cícero no achegar-se ao PRC-C- Partido Republicano Conservador, filiando-se, portanto, à seara política do Comendador Antônio Pinto Nogueira Acioli, responsável maior pelo comando situacionista do Estado, e de que muito dependia o futuro desta terra, quiçá naquele momento crucial e de notória transição em seus anseios libertários. Conseguido os objetivos emancipacionistas, não sem sacrifícios e ameaças de ambas as partes (Crato/Joazeiro), no momento de acomodações, é muito natural que surgisse pretensões políticas, sobretudo, no que respeita ao cargo de Intendente do Município. Em política nem sempre o mando local impera, quando é sabido que o poder Central ou Estadual, caso venhamos a depender de um ou do outro, ou de ambos, em certas transitoriedades na solução de nossos impasses, procura, em contrapartida, tirar proveito e impor condições. Consoante Carta de Adolfo Barroso, de 30.08.1910, endereçada ao Padre Cícero, assegurou a este o que lhe havia pronunciado o Oligarca Acioly: “Diga ao Padre Cícero que ele me merece tudo, porém, estando com o Padre Peixoto, eu (Acioli) não poderei dar um passo em seu favor...”.
Ora, ficar com Alencar Peixoto – aceitá-lo como chefe político do município?!!! – e não com Acioli, de quem dependia a sansão e o beneplácito da lei do futuro município, seria sepultar toda uma luta em prol do Joazeiro, e, por consequência, protelar – não se saberia para quando – os objetivos para os quais se achavam engajados. Por outro lado, o Dr. Floro, por sua condição de médico e predisposto a servir no que lhe coubesse, já havia caído nas graças do Padre Cícero e, quem sabe, de Acioli. A ascensão de Alencar Peixoto prejudicaria o futuro político de Floro, daí não medir-se a extensão do seu ódio ao jovem esculápio. Constrangido, assim, via-lhe lobrigar o espírito, ao sentir-se refrearem-lhe as aspirações na aurora de um novo dia.
O desentendimento de Alencar Peixoto com o Coronel Antônio Luís, prefeito do Crato – primo de Nogueira Acioli – gerou esse entrave, e o Padre Cícero, preferiu ceder em benefício do futuro de Joazeiro, sendo Alencar Peixoto sacrificado em seus propósitos futuros, já que o Padre Cícero honrou o seu compromisso com o oligarca (prestes a ser deposto). Conseguida a emancipação política de Joazeiro com a Lei n° 1028, de 22 de julho de 1911, e a consequente nomeação do Padre Cícero, em 03.10.1911, pelo Oligarca Nogueira Acioli, para Intendente do Joazeiro, empossado no dia seguinte (04/10), com implantação do município em 05.10.1911, permaneceu o Padre Cícero nessa situação, apenas, quatro meses e três dias, quando foi exonerado do Cargo no dia 07 de fevereiro de 1912, pelo Coronel Carvalho Motta, que respondia, interinamente, pela Presidência do Ceará, desde 24.01.1912, e não atribuir este ato ao Coronel Marcos Franco Rabelo, que sequer havia sido eleito, e, muito menos, empossado na Presidência do Estado, o que só se verificaria a partir de 14.07.1912, data de sua posse, quando – e só a partir de então –, se achava, constitucionalmente, habilitado para fazê-lo. É o que reza o quadro sucessório de nomeações da Intendência de Joazeiro naquele período, conseguido em Fortaleza, e, hoje, em nosso poder, na forma expressa na primeira página desde periódico.
O famoso pacto dos coronéis, ocorrido no dia 04 de outubro de 1911, por sugestão do Dr. Floro ao Padre Cícero, quando da posse deste na Intendência de Joazeiro, foi um acontecimento que, certamente, iria constituir algo de suma importância para a região do Cariri, se não se revestisse de vida tão efêmera, eis que neste país nada se leva a sério, nada, em suma, tem consistência. O Jornal UNITÁRIO, de 9 julho de 1915, em longo artigo, o Dr. Floro faz referência a esse Pacto de Harmonia Política,quando 17 (dezessete) Chefes Políticos de Municípios da região sul do estado, (Padre Cícero Romão Batista, Chefe do Município de Juazeiro; Cel. Antônio Luís Alves Pequeno, Chefe do Município do Crato; Cel. Joaquim Antônio de Santana, Chefe do Município de Missão Velha; Cel. Pedro Silvino de Alencar, Chefe do Município de Araripe; Cel. Romão Pereira Filgueira Sampaio, Chefe do Município de Jardim; Cel. Roque Pereira de Alencar, Chefe do Município de Santa do Cariri; Cel. Antônio Mendes Bezerra, Chefe do Município de Assaré; Cel. Antônio Correia Lima, Chefe do Município de Várzea Alegre; Cel. Raimundo Bento de Souza Baleco, Chefe do Município de Campos Sales; Rev. Pe. Augusto Barbosa de Menezes, Chefe do Município de S. Pedro do Cariri; Cel. Cândido Ribeiro Campos, Chefe do Município de Aurora; Cel. Domingos Leite Furtado, Chefe do Município Milagres; Cel. Raimundo Cardoso dos Santos, Chefe do Município de Porteiras; Cel. Gustavo Augusto Lima, Chefe do Município de Lavras da Mangabeira; Cel. João Raimundo de Macedo, Chefe do Município de Barbalha; Cel. Joaquim Fernandes de Oliveira, Chefe do Município de Quixará; Cel. Manuel Inácio de Lucena, Chefe do Município de Brejo Santos), pondo de lado as desavenças, propuseram inaugurar, na região do Cariri, um ambiente de paz, entendimento e de progresso, nos termos lembrado e sugerido ao Padre Cícero pelo Dr. Floro, conforme frisara antes.
Com a destituição do Padre Cícero, foi nomeado na mesma data, pelo Coronel Carvalho Motta, o Comerciante José André de Figueiredo, que desistiu do cargo de Intendente, sendo designado, posteriormente, e em seu lugar, o Sr. João Bezerra de Menezes, em 26 de fevereiro de 1912. Posteriormente é reconduzido ao cargo de Intendente de Joazeiro o Padre Cícero Romão Batista, em data de 24 de abril de 1914, por nomeação do Interventor Federal do Ceará general Fernando Setembrino de Carvalho, ocupando essa função até o dia 24 de fevereiro de 1926, quando, a pedido,à época da presidência o Desembargador José Moreira da Rocha, foi exonerado do Cargo, que ocupou por mais de uma década, decisão esta, talvez, levada a efeito não só por se achar carregado em anos, mas, quem sabe, talvez prevendo a morte do Dr. Floro Bartolomeu da Costa, fato que se daria doze dias após, já que se afigurava quase impossível governar Joazeiro, de então, sem contar com o apoio e a autoridade do médico baiano.
A SEDIÇÃO DO JOASEIRO
Com a queda da oligarquia – no Ceará – comandada havia anos (1896), pelo Comendador Antônio Pinto Nogueira Acioli, ocorrida no dia 24 de janeiro de 1912 –, assume à Presidência do Estado o 3º Vice-Presidente, Capitalista Cel. Antônio Fredericode Carvalho Mota (24.01.12 a 12.07.12).
As funções de intendente (prefeito) era de nomeação exclusiva do Presidente do Estado, que, por ser de sua livre escolha, o exoneraria quando bem o recomendasse o interesse político. Sem razões plausíveis, dentre outros, foi exonerado da Intendência de Juazeiro o Padre Cícero Romão Batista, membro do Partido Republicano Conservador –PRC-C, por iniciativa exclusiva do Cel. Carvalho Mota, porquanto já no dia 7 de fevereiro seguinte – quando já eram decorridos 15 dias de sua posse na Presidência do Estado –, nomeou o Coronel José André de Figueiredo para Intendente de Joazeiro que, por não ser bem visto pela comunidade – por este e outros motivos –, declinou do cargo, sendo nomeado em seu lugar, no dia 26 de fevereiro de 1912, o Sr. João Bezerra de Menezes, de tradicional família do Cariri Cearense.
Como se há de convir, o Coronel Marcos Franco Rabelo, que teve sua posse no governo do Estado (14.07.12) ocorrida quase 6 (seis) meses após à queda de Nogueira Acioli, jamais poderia, constitucionalmente, retroagir para exonerar o Padre Cícero da Intendência de Juazeiro, como teimam – sem fundamento – alguns apressadinhos.
Concluída essa fase de transição, assume, de fato, às rédeas do Estado, em 14 de julho de 1912, o Coronel MarcosFranco Rabelo, homem sério, dinâmico e, em tudo, dedicado à causa que abraçou, mas, infelizmente – o que não é de admirar-se –, um pouco inexperiente nas “coisas” da política, o que, ao Invés de procurar contar com o apoio do Poder Central, rompeu com este, advindo, daí, inevitáveis consequências: predominava, na época, a política salvacionista, que se contrapunha à política dos governadores, cria, havia anos, do governo Campos Sales. Com o rompimento do Coronel Marcos Franco Rabello com o Poder Central –, estava o Governador, além de outros Estados, comprometido com a sucessão no âmbito Federal, no caso, com o General Pinheiro Machado, virtual candidato à Presidência da República.
O rompimento do Marechal Hermes da Fonseca com o Senador da República, General Pinheiro Machado – e o consequente assassinato deste, no dia 8 de setembro de 1915, no saguão do Hotel dos Estrangeiros, pelo magnicida Manso de Paiva – gaúcho como ele –, mudou o curso da história, sobretudo nesta área da Federação.
O movimento que se convencionou chamar-se de Sedição do Juazeiro teve suas origens no Palacete do Morro da Graça, no Rio de Janeiro, e não no Juazeiro. Com o rompimento do Coronel Franco Rabelo com o Poder Central, é evidente que, daí, passou a ser de interesse nacional, eis que urgia reaver o situacionismo da política no Ceará. Por ser local, a forma mais inteligente seria a deposição do governo no âmbito da política do Ceará, e para fazê-lo só mediante um movimento armado, que seria deflagrado em Juazeiro, que contaria, inclusive, com o apoio do Padre Cícero – capaz de açambarcar multidões –, e o Dr. Floro, com sua habilidade, coragem e determinação.
Inegavelmente, depois do Padre Cícero, que, sem dúvida, foi – e é –, o personagem mais importante – e com Ele fez história –, é, indiscutivelmente, o Dr. Floro Bartolomeu da Costa (Salvador-BA: 17.08.1874-Rio: 08.03.1926), médico, provido de Tese de doutorado (04/1905), pela Faculdade de Medicina da Bahia (hoje Memorial da Medicina) que o acaso o trouxe ao Juazeiro de então, em companhia do Conde Adolfo van DenBrule, que, a convite deste, diretamente interessado na exploração das minas do Coxá, em Aurora, neste Estado aqui, chegando em maio de 1908.
Digo – e repito – por acaso, porquanto o Conde em chegando na cidade de Aurora foi informado que as minas do Coxá se achavam encravadas em terras pertencentes ao Padre Cícero Romão do Juazeiro, personagem este, inobstante conhecido e admirado em todo o Nordeste Brasileiro, era, contudo, desconhecido de ambos, haja vista ser o primeiro recém chegado da França, e o segundo, por ser jovem ainda, ligado aos meios acadêmicos e personagem literalmente preocupado com os mais legítimos anseios políticos da sua terra, ainda quando estudante de medicina, como, por exemplo, dentre outros,o “movimento contra a revisão da Constituição Política da Bahia, em 1903” etc.
Em face do exposto ambos destinaram-se à futura Meca do Cariri para entenderem-se com o Padre Cícero acerca do objetivo central de seus propósitos: a exploração das minas de cobre do Coxá, não sem grandes sacrifícios e riscos, ainda não demarcadas, e juridicamente carentes de regularização, considerando que outros proprietários advogavam por iguais direitos. Daquele encontro, certamente, o Padre Cícero enxergou mais além, como que antevendo o futuro político de juazeiro, em cuja época já se ensaiavam os primeiros passos nessa direção: cuja efervescência político-religiosa tomariam novos rumos: (Minas do Coxá – Emancipação Política do Juazeiro – Sedição do Juazeiro – Mandado de Excomunhão do Padre Cícero – Polêmica do Padre Macedo e suas pretensões políticas – Famoso Discurso, na Câmara Federal, em defesa do Juazeiro e do Padre Cícero, em 13.09.1923, que, diga-se de passagem, um dos mais aplaudidos naquela Casa, e, dentre outros, Combate à Coluna Prestes e consequenteconvite a Lampião por Floro para vir a Juazeiro. Como se vê, sem um esforço comum – um somando-se ao outro –, numa visão de conjunto, muitos desses capítulos, que dentre outros constituem a historia de Juazeiro, não seriam consumados, enquanto outros certamente protelados sem a marcante presença do famoso destacado médico baiano.
No exato momento em que dava por concluído este trabalho, domingo, 13 de dezembro 2015, meios de comunicações estavam noticiando que a Igreja Católica reconciliou-se com o Padre Cícero Romão Batista, nos termos da Carta-Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco, datada 20 de outubro de 2015, pondo solução final a um impasse que constituiu, em vida, o maior dilema do pranteado sacerdote, que, em vida, batalhou, ininterrupta e incansavelmente, para reaver suas ordens eclesiásticas, as quais - a contar de 6 de agosto de 1892 (data da primeira suspensão das ordens sacerdotais), e até 20 de outubro de 2015 - perduraram por 123 anos, se atentarmos, afinal, para a tão ansiada mensagem redigida, por expressa vontade de Sua Santidade o Papa Francisco, pelo Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, a que, antes, nos referimos.
APÊNDICE[i]
______________________
Joazeiro do Pe. Cícero, 20 de julho de 1934
Irmão Thadeu.
Na noite de 18 de julho, ocorreu na cidade, o boato de os Drs. Mozart e Belém, haviam sido chamados para o Pe. Cícero, que estava atacado das cólicas que já por diversas vezes o tinham prostrado. Os médicos aplicaram-lhe um purgante de óleo de rícino, depois de informados que havia já três dias que ele não defecava. Tiveram que passar a noite à cabeceira do enfermo, que não experimentava melhora, e vomitava quase que constantemente.
No dia 19, pela manhã, notaram que o seu estado se agravara; tinha vômitos fecais. Diagnosticaram espasmo intestinal, ataque de urina. Todo o dia passaram em atividade; novo purgante porque o primeiro não produziu efeito; lavagens ineficazes, esforços inúteis; combinaram chamar os Drs. Elísio e Pio Sampaio. Às 5 horas da tarde piorou consideravelmente. Às 8 da noite, foi até lá, Amália Xavier, e teve a certeza de que era impossível escapar. Pareceu-me um moribundo; entretanto, animada, voltei a casa, fizemos uma novena a Santa Terezinha, levando-lhe depois, a relíquia da mesma Santa, que madrinha Mocinha lhe deu a beijar. Às 10 horas da noite, espalhou-se o boato que ele havia melhorado; tinha defecado. Uns se animaram, outros temeram ainda, pelo seu estado. Às 3 horas da madrugada, acordei sobressaltada, por choros altos. Avisaram em casa que o Padre havia piorado. Tendo recebido às duas horas, os sacramentos. Encaminhei-me para lá. Que quadro doloroso! O padre sossegado, porque estava sob o efeito de uma injeção de morfina,e os médicos aflitos porque viam esgotados todos os recursos. Indaguei o seu estado e disseram-me “tem poucas horas de vida.”. A esta vos, dirigi-me para o quarto, encontrando-o gemendo. Às 5:30 horas, chamou o Dr. Mosart e pediu-lhe um remédio que fizesse cessar essas dores que o atormentavam. Doutos Mosart reconhecendo a sua impotência diante da vontade de Deus, começou a chorar, enquanto o Padre lhe tomara a mão, colocando-a sobre a dor e pedindo-lhe friccionasse----. Pediu água e aceitou um chá que lhe ofereceram. Eram 5:15 quando ele começou a morrer. Ajoelhei-me aos pés da cama, disposta a assistir tudo. Chamou o Padre Juvenal que lhe respondeu: “Estou aqui Padre Cícero lhe absolvendo constantemente.” A mandado do Dr. Elisio, o Padre Juvenal pediu que ele abençoasse todo o poro do Joazeiro, presente e ausente. O Padre, com um gesto firme, apesar de agonizante, levantou o braço e traçou três cruzes, para todos os lados, como se naquele momento as forças lhe tivessem voltado.
Deram-lhe a imagem do Senhor e a vela; ele abraçou o crucifixo, passou a mão, com ternura sobre a cabeça do Crucificado, e depois, chamou baixinho: “Joanna”. Apareceu-lhe madrinha Mocinha, e ai! Um quadro enternecedor. Com voz tremula ela chamou: “Padrinho Cícero, é Joanna quem está aqui, abençoe-me” e beijara-lhe aflita a mão. O Padre virou a cabeça para ela, abriu os olhos, apertou-lhe a mão e disse, cortando as palavras: “No céu pedirei a Nosso Senhor por todos”. Madrinha Mocinha perguntou o que ele queria, o que estava sentindo e ele a tudo respondeu: “Nada”. Foi a sua última palavra. Pouco depois, vai--- a Beata Bichinha também despediu-se: “Seu Padre, está aqui Josepha, abençoe-me”; e, enquanto lhe beijava a mão, ele virava a cabeça, também para ela, abria os olhos e murmurava palavras imperceptíveis. Expirou com a calma dos justos. Às 7 horas, em ponto, no último arranco, fechou os olhos, por si. Apanhei em um lenço as suas duas últimas lágrimas e no mesmo, lenço enxuguei o suor - da morte. E uma lembrança que os de casa muito prezam. “Morreu o Padre Cícero”, era a voz geral, acompanhada de lamentos que cortavam os corações. Que coisa dolorosa! Transportaram o cadáver para a sala, afim de receber as últimas visitas. Quem poderá descrever? Que horror! Todos queriam tocar-lhe objetos, a começar por mim que fui considerando a calma angélica com que exalou o último suspiro. Choros, lamentos, gritos; nenhuma desordem que demonstrasse o que se podia pensar do horror desse dia. José Geraldo teve a feliz lembrança de depois de colocado o corpo no caixão, botá-lo na janela para que todos vissem.
Ao aparecer o esquife, o povo que estava por ali, gritou: “Meu padrinho tornou.” A notícia alarmou-se; ouviram-se vivas, palmas. Todos corriam em demanda da casa do Padre.
A surpresa desapareceu diante do quadro que era o mesmo. O Padre morto, e exposto à vista de todos.
Os quarenta e seis mil habitantes do Joazeiro, o povo do Araripe (serra), S. Pedro, Aurora, Ingazeira, Crato, Barbalha, Missão Velha e outros lugares corriam a ver o corpo do velho Patriarca.
A ninguém passou indiferente o doloroso quadro da morte do grande Patriarca, vinte e quatro horas exposto. Vinte e quatro horas de dores, lamentos, aflições. E o que mais nos edificou: todos quantos corriam a ver o cadáver, iam depois a Igreja, como que buscar conforto aos pés de N. S. das Dores.
Enterro
Ficou determinado que o enterro seria efetuado no sábado, 21, às 7 horas. Dez padres presentes, guiados por Monsenhor Sóter. Toda a noite a cidade passou em choro. Missas, de 5 da manhã às 7 do dia; oito missas. Os choros, sem alvoroços acompanharam todas as missas. Ninguém se podia conter. Às 7 horas em ponto, rumavam os padres em demanda da casa. A Igreja já estava repleta. Meu Deus! Que dia de Juízo! Um verdadeiro mar humano. Parecia até que as paredes da Igreja choravam. Todos aguardavam a passagem do corpo, que tinha suspenso pelas mãos dos pobres e inconsoláveis romeiros. Queriam todos levar um pedaço, o querido padrinho. Mas, isto feito com tanta ordem, com tanto jeito, com tanta calma. Uma cerca de legionários guardara os padres, da multidão de setenta mil almas, cálculo esse feito por diversas pessoas. A primeira encomendação do corpo foi feita no patamar da Igreja; aí cantamos o “memento”.
Dentro, os legionários enfileirados a guardavam o corpo. Ao entrar na Igreja aumentaram os choros, fossem sem gritos. Depois, rumaram para o cemitério. Segui na frente para aguardar a passagem do enterro na “praça”, onde ia haver discurso.
Para mim foi o pior momento. As bandeiras das repartições públicas envoltas em crepe eram conduzidas na frente. No meio da multidão, o corpo do Padre Cícero. Ao penetrar na praça, todos os automóveis fonfonaram. Coisa dolorosa! Não se pode descrever. Até as crianças, nos braços maternos choravam. Não me pude conter diante daquele quadro que esboçava a realidade da vida. O Padre Cícero, o maior homem, o dono do Joazeiro, era conduzido ali pelos outros. A cabeça torta, dando-lhe aquele ar de santo. Os braços cruzados, estendidos num esquife, rumavam para a terra da verdade; deixando as glórias, os feitos as mesmas homenagens que naquele momento lhe eram tributadas pelos amigos que naquele momento reconheciam ainda mais o seu valor; pelos seus beneficiados que viam naquele quadro o término de suas esperanças, por todo enfim.
Um primeiro procurava impedir que o sol lhe queimasse, com um velho chapeuzinho de palha, e outro com um falho de pequi.
Foi uma verdadeira apoteose.
No cemitério
A multidão era composta até o cemitério. O túmulo da mãe dele estava já aberto para receber o filho, conforme havia pedido de antemão.
O seu corpo baixou à sepultura e lá está, coberto com a fria lousa, mas nem um momento sozinho. Até hoje é uma verdadeira romaria. Guardam constantemente a sepultura. Do querido morto, choram inconsoláveis sua falta os filhos de Joazeiro, cobertos de luto. Saudades, em todos os corações. O que mais me admirou foi o comportamento dessa pobre gente que dizia que o Padre não havia de morrer. Todos estão convencidos de que ele morreu e ninguém se opôs ao enterro. Choram, lamentam, mas não dizem coisa alguma. E como foi edificante aquela morte! Morreu como uma criança, como um justo. Fausto , Antonio, Dr. Belém, Abdias, Severino Alves, assistiram-lhe a morte. Este último viu-o expirar em seus braços e arrancou-me muitas lágrimas, dando na cabeça do Padre, com muita ternura, o último beijo.
Seguem-se os atos solenes para a visita de cova, na quinta feira.
Raimunda Soares Barbosa (Nenem Mamede) (12.10.1904-09.03.1995)
Mons. Vicente Sother de Alencar (25.08.1866-26.07.1946) - Barbalha
Dr. Mozar Cardoso de Alencar (28.05.1903-15.12.1996) - Barbalha
Dr. Pio de Sá Barreto Sampaio (26.05.1904-13.12.1996) - Barbalha
Dr. Manuel Belém de Figueiredo (10.05.1885-29.12.1974) - Milagres
Dr. Elísio Gomes de Figueiredo (02.02.1892-17.10.1975) - Crato
Joana Tertulina de Jesus (Beata Mocinha) (27.01.1864-20.04.1944) - Riacho do Sangue
Josefa Maria do Espírito Santo (Beata Bichinha)
Referências bibliográficas[4]:
ALBÚM HISTÓRICO DO SEMINÁRIO EPISCOPAL DE FORTALEZA (1864-1914). Fortaleza, Imp. Desclée de Brouwer& Cia Lille, 1914.
ALBÚM HISTÓRICO DO SEMINÁRIO EPISCOPAL DO CRATO (1875-1925). Crato/CE, 1924.
ANSELMO, Otacílio. Padre Cícero: mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ. Fortaleza.
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[1]Pesquisador. Nascido em Lavras da Mangabeira (São José/CE), 30 de janeiro de 1940.
Foi do Recursos Humanos e Redator: Cia. de Águas e Esgotos do Nordeste – CAENE/SUDENE
Redator Oficial da COELCE, Companhia Energética do Ceará, em Fortaleza.
Autor da biografia sobre o Padre Helvídio Martins Maia, (documentação do Padre Cícero, em Roma a pedido do Pe. Murilo para o Sr. Bispo do Crato, D. Fernando Panico)
Endereço: Rua São Francisco, 512 – CENTRO – Juazeiro do Norte-CE - CEP: 63.010-215
E-mail: anchietamartinez@hotmail.com
[2]No texto, os nomes, as palavras ou frases em negritos são do critério do autor.
[3] A Tese, defendida em abril de 1905, na antiga Faculdade de Medicina da Bahia encontra-se na biblioteca particular do autor do artigo.
[4]Obras da biblioteca particular do autor.
[i]Relato de Raimunda Soares Barbosa (Nenem Mamede). O original deste expediente consta do acervo da biblioteca particular do autor.