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Nora Mazziotti

Por Ada Cristina Machado da Silveira

Nora Mazziotti,  uma intérprete de nosso melodrama

Palavras-chave:
Telenovela; Melodrama; Narrativa Audiovisual; Argentina;

Nora Mazziotti é uma pesquisadora argentina, nascida na cidade de Buenos Aires. Sua condição de Brasilianista decorre de seu envolvimento com a pesquisa sobre a produção nacional do que denominamos telenovela. Com formação em Letras pela Universidad Del Salvador, de Buenos Aires, dedicou-se inicialmente a estudos sobre Literatura e Teatro, a par da militância política. Posteriormente, a afinidade com questões de melodrama, folhetim e gênero aproximou-a do estudo das produções ficcionais em televisão. Suas preocupações inicialmente centradas em análises referentes a questões de gênero passaram progressivamente a ocupar-se da ambiência midiática e dos fluxos internacionais das produções latino-americanas, consagrando-a como especialista desde a perspectiva das narrativas e dos gêneros e sua incidência nas práticas sociais. Exilada por seis meses no Brasil, no ano de 1976, com filhos muito pequenos, o exílio se fazia especialmente difícil. Resolveu arriscar um retorno e nada lhe ocorreu, permitindo que a estadia brasileira fosse breve. Desse período recorda haver assistido capítulo da telenovela.

Saramandaia, de Dias Gomes, produzida pela TV Globo. Trabalhou como professora no curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais da Universidad de Buenos Aires entre os anos de 1991 a 2004.Atou como pesquisadora do Instituto de Investigações Gino Germani da mesma universidade entre 1995 e 2004. Exerce as funções de coordenadora do Curso de Roteiristas do Instituo Superior de Ensino Radiofônico (ISER) vinculado à Autoridad Federal de Servicios de Comunicación Audiovisual (AFSCA). Atua igualmente como professora no Departamento de Ciências Sociais e Humanidades, no Curso de Comunicação Social na Universidad Nacional de laMatanza (UNLAM), bem como no Departamento de Artes Audiovisuais da Universidad Nacional de Artes (UNA). Foi responsável pelo Observatório Iberoame-ricano de Ficção Televisiva (OBITEL) na Argentina. Ministrou cursos em diversos países e seus textos foram traduzidos ao Português, Inglês, Francês e Bósnio. É autora de livros como"La Industria de la Telenovela. La producción de ficciónen América Latina",onde dedica um capítulo ao Brasil e analisa a incidência do merchandising nas produções. Autora de diversas obras publicadas por editoras argentinas e latino-americanas, possui títulos como "El espectáculo de lapasión. Las telenovelas latinoamericanas"; “Soy como de la família. Conversacionescon Alberto Migré”; “La indústria de la telenovela. La producción de ficciónen América Latina”;“Historias de laTelevisiónen América Latina: Argentina, Brasil, Colombia, Chile, México, Venezuela”; “Telenovela: industria y prácticassociales”.Seu artigo “La expansión de la telenovela” publicado na revista Contratexto, do Peru,bem como o capítulo intitulado “La telenovela y suhegemoníaenLatinoamerica: lapasión por los relatos”, integrante da coletânea organizada por GiulianaCassano, abordam os processos de produção e de distribuição em diversos mercados, apontando os estilos consolidados, dentre os quais figura o brasileiro, a par do mexicano, o colombiano e o global, representado pelas recentes produções dos Estados Unidos. A precisão de sua análise sobre o desempenho das telenovelas brasileiras no conjunto das produções latino-americanas lhe permite pontuar que é o modo de tratar aspectos diegéticos e extradiegéticosque as tornam mais complexas. A par disso, as telenovelas brasileiras possuem como características próprias o caráter naturalista e realista das atuações; o plano narrativo como modelo coral, o protagonismo não se fixa apenas no par romântico e abre espaço a outros personagens e núcleos; o conflito e a personalidade bem delineada de cada personagem e sua história; um modelo permissivo da sexualidade presente no plano moral; e a existência de personagens esféricos que dialogam e debatem entre si com pontos de vista diferentes e consensuais (MAZZIOTTI, 2008). Junto a Maria Cristina Matta, da Universidad de Córdoba, na Argentina, integra o grupo de fundadoras dos estudos de recepção na Argentina. 

Conforme destaca Kalikoske (2008), Mazziotti aborda o tema das culturas e mercados da ficção televisiva na América Latina e os produtos brasileiros avaliando que num momento passadoTelevisa liderava a presença no mercado internacional. No entanto, a qualidade da dublagem permitiuum melhor desempenho das telenovelas brasileiras da TV Globo eda TV Record.Afirma Mazziotti (2006b, p.1): “Nas últimas décadas a circulação trasnacional de produtos televisivos adquiriu um volume crescente. A telenovela latino-americana conquistou novos mercados por várias razões que têm que ver com essa transnacionalização. Entre elas está o surgimento do cabo e do satélite, a desregulação dos canais públicos na Europa, a queda da União Soviética, que alentam a aparição de novos sinais privados. Produz-se, junto ao aumento do sinal, o número de horas de programação, para o que se necessitaconteúdos para preencher varias franjas horárias. Ademais, as novas tecnologias permitem uma qualidade dos produtos antes inexistente”. Seu percurso como investigadora descreve a mobilidade entre as condições de recepção de telenovelas e o melodrama para suas condições de produção. Atenta à participação ativa das audiências, suas análises buscam abarcar os sistemas industriais, ademais de inserir as práticas em processos culturais complexos,Convidada para um Seminário no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1996,abordou aspectos sobre TV a cabo no Cone Sul e o pacto entre produção e recepção. Dessa relação, resultaram aspectos incorporados na reflexão da Nilda Jacks e Sergio Capparelli (2006) sobre televisão e identidade. Sua participação noutro evento na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em 2002, permitiu apresentar o texto “La fuerza de laemoción. La telenovela: negocio, audiencias, historias", que resultou em capítulo de livro traduzido ao português para a coletânea“Telenovela. Internacionalização e interculturalismo”, organizado por Maria Immacolata V. de Lopes (2004). Nele, Mazziotti aborda as condições que fizeram da telenovela um grande produto de exportação. Sua análise da produção brasileira pela perspectiva dos negócios enfatiza que, como único produto latino-americano de reconhecimento internacional cuja atividade exportadora começa nos anos de 1970, possui na TV Globo e no Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) os responsáveis por essa inserção, em que pese as imensas dificuldades de obtenção de informações confiáveis sobre seu padrão de vendas, circulação e distribuição de produtos. Junto a empresas do México, Venezuela, Colômbia, Argentina, Chile e Peru, as empresas brasileiras atuam nos mercados da Europa Ocidental, Europa do Leste, Oriente Médio e Ásia. AnalisaMazziotti (2006, p.11): “A telenovela, o mais importante gênero de ficção produzidona América Latina já há cinquenta anos e principal produto da indústria cultural, é o expoente televisivo do melodrama que, em suas distintas manifestações, tem que ver com as emoções, as passões, os afetos”. Quanto ao aspecto das audiências, especialmente o debate sobre os horários desprestigiados em que muitas vezes são emitidas em outros países, Mazziotti entende que isso apresenta certas compensações. Enquanto capital cultural em disseminação, o mercado chinês, por exemplo, representa uma parcela populacional que em nenhum sentido é equiparável a outra parte do mundo. A circulação de telenovelas favorece a indústria fonográfica denominada “latina” que igualmente compõe o conteúdo estético das telenovelas, promovendo bandas musicais, cantores e compositores. Esse aspecto acentua a globalização de conteúdos nacionais no amplo mercado do consumo cultural, tanto quanto promove os protagonistas de telenovelas, promovidos a celebridades internacionais. Trata-se da dimensão da interculturalidade, conforme Mazziotti destaca, que se coloca em evidência. Um aspecto pode ser percebido pela afirmação de comunidades interpretativas virtuais aglutinadas através da Internet, com fóruns e debates que fomentam relações interculturais. Já suas histórias, reconhece Mazziotti, permitem reconhecer duas produções brasileiras dentre as dez produções latino-americanas mais vendidas: as telenovelas A escrava Isaura de Gilberto Braga (1976) e Terra Nostra de Benedito Ruy Barbosa (1999), ambas produções da TV Globo, exportadas para cerca de uma centena de países. Junto a produções da Televisa (México), RCN (Colômbia) e RCTV (Venezuela), elas teriam, na perspectiva de Mazziotti, uma competência já destacada por Umberto Eco (1988) de repassar aspectos bastante frequentados ou previsíveis pelas audiências. Nesse aspecto, ela ainda destaca a pesquisadora brasileira Rosa M. Bueno Fischer (1984), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, quando analisa a vivência eletrônica do mito que a TV proporciona. Mazziotti avança no tema atentando que a telenovela é um gênero multiplot, ou seja, combina várias tramas.

Sua definição de telenovela como afirmou-se ao longo de 50 anos consiste em apontar: “um dos produtos pelos quais nos reconhecem como subcontinente tem a ver com nossa capacidade de imaginar, de sonhar” (MAZZIOTTI, 2004, p. 400). O reconhecimento de sua atividade de pesquisadora, conforme Florence Saintoute Natalia Ferrante(2004), daUniversidad Nacional de La Plata-Argentina, permite reconhecer que Mazziotti integra uma nova abordagem sobre o poder produzida nas décadas 80 e 90 do século passado a partir de Antonio Gramsci e sob a influência de Jesús Martín-Barbero. Trata-se de um avanço sobre as estratégias de leitura desde uma recepção que interpela a atividade das indústrias culturais, buscando usos e resíduos que não se esgotam na reprodução passiva de sentidosprovenientes do polo da emissão, mas são compartilhados socialmente. A abordagem desbravada por Nora Mazziotti, a exemplo de outros pesquisadores brasileiros congregados pelo Obitel, consiste no estudo da atividade de reconhecimento definida a partir dos laços sociais estabelecidos com vistas a processos de resistência a propósitos hegemônicos. Ela extrapola a segregação em que estudos de Economia Política estabeleceram para produções de grupos oligopolizados, dado que essa abordagem situa o poder desde sua exterioridade na ação de colonização da subjetividade e desestima o forte apelo simbólico que as telenovelas representam para a sociedade latino-americana.. O enfoque de recepção em Mazziotti busca desentranhar a força comunicacional com vistas a sua capacidade de produção de sentidos antes que pura dominação. Assim, a análise da circulação globalizada da telenovela, enquanto produto exitoso também fora do contexto das narrativas de identidade nacional,é compreendida em sua competência de transportar marcas culturais que representam a região no momento em que as migrações se fazem contínuas e em fluxos diversos.

Bibliografia

ECO, Umberto. Lector in fabula. São Paulo: Perspectiva, 1988.

KALIKOSKE, Andrés. Ficção ibero-americana: cultura globalizada e rearranjos de mercado. Revista Eptic, Aracaju-SE, 2008. Disponível em: <http://www.seer.ufs.br/index.php/eptic/article/viewFile/207/178>. Acesso em 23 ago 2015.

JACKS, Nilda A.; CAPPARELLI, Sergio. TV, família e identidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006.

MAZZIOTTI, Nora. El espectáculo de la pasión. Las telenovelas latino-americanas. Buenos Aires: Colihue,1993.

_____ Soy como de la familia. Conversaciones con Alberto Migré. Buenos Aires: Sudamericana,1993.

____ La industria de la telenovela. La producción de ficción en América Latina. Buenos Aires: Paidós, 1996.

_____ Historias de la televisión en América Latina: Argentina, Brasil, Colombia, Chile, México, Venezuela. Buenos Aires: Gedisa, 2002.

_____ A força da emoção. A telenovela: negócios, audiências e histórias. In: LOPES, Maria Immacolata V. de. (Org.) Telenovela: internacionalização e interculturalidade.São Paulo: Loyola, 2004. p.383-402.

_____Telenovela: industria y prácticas sociales. Bogotá: Norma, 2006a.

_____ La expansión de la telenovela. Contratexto,Lima-Peru, 2006b. Disponível em:<http://fresno.ulima.edu.pe/sf/sf_bdfde.nsf/OtrosWeb/CONT14MAZZIOTTI/$file/07-contratexto14-MAZZIOTTI.pdf>. Acesso em 15 ago. 2015.

_____ La telenovela y su hegemonia enlatinoamérica. La mirada de Telemo, Lima-Peru, n.1. 2008 Disponível em: <http://revistas.pucp.edu.pe/index.php/lamiradadetelemo/article/view/3485/3381>. Acesso em 30 set.2015.

_____La telenovela y su hegemonía en Latinoamérica: la pasión por los relatos. In:CASSANO,Giuliana,Televisión: 14 formas de mirarla. Lima: DAC, 2010. p.17-34.

SAINTOUT, Florence; FERRANTE, Natalia. Los estudios de recepción en Argentina hoy: rupturas, continuidades y nuevos objetos, 2004. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/associa/alaic/boletim20/florencias.htm>. Acesso em 15 ago 2015.

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