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Luiz Beltrão

Por José Marques de Melo

Beltrão, Brasilólogo Matricial

 

Nascido em Olinda (Estado de Pernambuco), no dia 8 de agosto de 1918, Luiz Beltrão realizou seus estudos humanísticos no Seminário de Olinda e no Ginásio Pernambucano, graduando-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da antiga Universidade do Recife, hoje Universidade Federal  de Pernambuco.

Mas sua vida profissional foi inteiramente dedicada ao campo da Comunicação, com ênfase no Jornalismo, atividade que iniciou em 1936, na redação do Diário de Pernambuco. Ele trabalhou inicialmente no arquivo do jornal, mas logo passaria ao front jornalístico, garimpando notícias, produzindo textos e editando matérias. Posterioermente fez incursões pelo segmento das Relações Públicas, da Teoria da Comunicação e da Literatura.

Sua produção como repórter ainda permanece inédita, portanto, desconhecida das novas gerações. Dela apenas ganhou notoriedade seu livro Itinerário da China (Um repórter visita o milenar e novo país do Extremo Oriente), publicado em 1959 pela Imprensa Oficial do Estado de Pernambuco.

Como jornalista, atuou em vários órgãos da imprensa pernambucana, tornando-se líder sindical da categoria e alcançando projeção nacional. Ao participar de congressos jornalísticos, no país e no exterior, escreveu ensaios e monografias em que pensou criticamente sua profissão e seu impacto na sociedade.

Tais reflexões geraram o livro Iniciação à Filosofia do Jornalismo, que lhe garantiu o PrêmioOrlando Dantas - 1959, patrocinado pela Editora Agir (Rio de Janeiro), que o lançou nacionalmente no ano seguinte. Essa obra representou uma virada na sua carreira. A atividade profissional colocou-se em segundo plano, na medida em que avançava seu engajamento acadêmico.

 

Pedagogia inovadora

Preocupado com a formação universitária dos jovens jornalistas, Beltrão aceita convite para ensinar Ética e Técnica do Jornalismo na Faculdade de Filosofia Nossa Senhora de Lourdes,em João Pessoa- Paraíba. Ao mesmo tempo, havia apresentado projeto para a criação de um Curso Superior de Jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco, iniciativa acolhida pela congregação dos jesuítas e implementada a partir de 1961.

Suas aulas de Jornalismo são previamente escritas, antes de expostas em sala de aula, acumulando conhecimento que lhe permitiria publicar quatro livros sobre o processo de produção jornalística e seus gêneros fundamentais: Técnica de Jornal (Recife, ICINFORM, 1964), A Imprensa Informativa: Técnica da Notícia e da Reportagem no Jornal Diário (São Paulo, Folco Masucci, 1969), Jornalismo Interpretativo: filosofia e técnica (Porto Alegre, Sulina, 1976) e Jornalismo Opinativo (Porto Alegre, Sulina, 1980)

Ele anotaria, da mesma forma,  as experiências pedagógicas que vivenciou na preparação de jornalistas profissionais, convertendo-as em livro publicado pelo Centro Internacional de Estudios Superiores de Periodismo para América Latina - sob o título Métodos de Enseñanza de la Técnica del Periodismo (Quito, Ciespal, 1963).

Sua aproximação ao CIESPAL e às idéias comunicacionais ali difundidas por cientistas europeus e norte-americanos influenciam a criação, em 1963, do primeiro centro brasileiro de estudos acadêmicos sobre os fenômenos midiáticos. Trata-se do Instituto de Ciências da Informação (ICINFORM), mantido mediante convênio com a Universidade Católica de Pernambuco. Esse núcleo foi responsável pela formação da primeira equipe de pesquisadores dedicados sistematicamente aos fenômenos comunicacionais no Brasil e pelo lançamento da primeira revista científica da área - Comunicações & Problemas -, publicada a partir de 1965, tomando como modelo sua congênere norte-americana Journalism Quartely.

 

Comunicação para o desenvolvimento

A repercussão nacional e internacional do trabalho inovador realizado por Luiz Beltrão no Nordeste Brasileiro, formando jornalistas e pesquisando os fenômenos da comunicação pública, foi o fator decisivo para que o Governo Castelo Branco o convidasse a assumir a direção da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, onde atuou durante o período 1965-1967. É ali que defende sua tese de doutoramento sobre Folkcomunicação, convertendo-se no primeiro Doutorem Ciências da Comunicaçãodo Brasil.

Esse trabalho, parcialmente publicado em livro - Comunicação e Folclore São Paulo, Melhoramentos, 1971 -, tem caráter seminal, gerando inúmeros estudos e pesquisas que produziu nos anos seguintes. Alguns sob a forma de livros, outros sob a forma de artigos para revistas especializadas e comunicações apresentadas em reuniões científicas no país e no exterior. Dando continuidade a essa linha de trabalho, ele publicou sua obra complementar – Folkcomunicação, a comunicação dos marginalizados (São Paulo, Cortez, 1980). Ali procura ampliar o conceito inicial, fortemente influenciado por suas concepções jornalísticas, buscando incluir as dimensões persuasivas, diversionais e educativas do processo da folkcomunicação.

A versão integral da sua histórica tese de doutorado somente ganharia difusão sob a forma de livro neste novo século, graças ao empenho do professor gaúcho Antonio Hohlfeldt– Folkcomunicação: um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias (Porto Alegre, Editora da PUCRS, 2001)

Após sua passagem pela Universidade de Brasília, Beltrão atua como docente e pesquisador no CEUB - Centro de Estudos Universitários de Brasília -, trabalho compartilhado com intensa atividade internacional, convidado para cursos, seminários, palestras e conferências, principalmente na América Latina.

O resultado dessa profícua vida intelectual é a publicação de um quarteto literário sobre teoria da comunicação: Sociedade de massa: comunicação & literatura (Petrópolis, Vozes, 1972), Fundamentos Científicos da Comunicação (Brasília, Thesaurus, Brasília, Thesaurus, 1973), Teoria Geral da Comunicação (Brasília, Thesaurus, 1977) e Teoria da Comunicação de Massa, escrito com a colaboração do discípulo Newton de Oliveira Quirino (São Paulo, Summus, 1986).

Convidado a trabalhar na Assessoria de Relações Públicas da Fundação Nacional do Índio - FUNAI - ele se dedica a avaliar o comportamento da imprensa brasileira diante da questão indígena, cujas principais evidências foram reunidas no livro O índio, um mito brasileiro (Petrópolis, Vozes, 1977).

 

Criação literária

Paralelamente à produção científica sobre os fenômenos sociais da comunicação e do jornalismo, Luiz Beltrão dedicou-se à literatura, escrevendo contos, novelas e romances. Seu primeiro livro literário foi o romance Os senhores do mundo (Recife, 1950). Depois, surgiram: Quilometro Zero (Recife, 1958), A serpente no atalho (Brasília, 1974), A greve dos desempregados (São Paulo, 1984). 

Sua última fase intelectual foi marcada pelo memorialismo, dela resultando dois livros póstumos: Contos de Olanda (Recife, 1989) e Memórias de Olinda (Recife, FIAM, 1996).

A consagração dessa atividade como ficcionista ocorre com a sua eleição para a Academia Brasiliense de Letras. Ela conquista nova dimensão com a sua redescoberta pelo escritor gaúchoAntonio Hohlfeldt, autor do recente ensaio “Luiz Beltrão, do jornalismo à literatura”, publicado pelaRevista Brasileira deCiências da Comunicação, vol. XXVI, n. 1, São Paulo, Intercom, p. 69-78.

A propósito da sua faceta literária, Hohlfeldt diz enfaticamente: “Para quem leia o conjunto de seis livros de ficção de Luiz Beltrão, editados entre 1950 e 1989, uma constatação salta logo aos olhos: excetuando-se os dois livros de contos, que apresentam excelentes trabalhos e alguns menos inspirados, os romances e novelas evidenciam um amadurecimento literário que se traduz tanto na escolha dos temas quanto na linguagem com que aborda cada um deles.”

Reconhecido pela comunidade acadêmica como o pioneiro dos estudos científicos sobre comunicação no Brasil, Luiz Beltrão faleceu em Brasília, no dia 24 de outubro de 1986.  Sua trajetória intelectual foi descrita no livro organizado por Roberto Benjamin– Itinerário de Luiz Beltrão (Recife, AIP/ UNICAP, 1998). Sua atuação científica constituiu o objeto de várias teses de doutorado, defendidas em São Paulo: Fátima Feliciano – Luiz Beltrão, um senhor do mundo (São Paulo, ECA-USP, 1993), Rosa Nava – Comunicações & Problemas: o primeiro periódico científico em comunicação no Brasil (São Paulo, UMESP, 2002), Eliane Mergulhão – Marcas da Folkcomunicação na obra literária de Luiz Beltrão (São Paulo, UMESP, 2008) e Maria Isabel Amphilo – A gênese, o desenvolvimento e a institucionalização da Folkcomunicação (São Paulo, UMESP, 2010).

A obra de estréia de Beltrão no cenário intelectual brasileiro – Iniciação à filosofia do jornalismo (1960) – integra a coleção denominada “Clássicos do Jornalismo Brasileiro”, publicada pela EDUSP. Ele ganhou, portanto, lugar de realce na galeria jornalística composta pelo seu conterrâneo, o pernambucano Barbosa Lima Sobrinho, bem como pelo baiano Rui Barbosa, pelos paulistas Carlos Rizzini e Danton Jobim e pelos cariocas Carlos Lacerda e Alceu de Amoroso Lima.

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