Leonel Brizola
Leonel Brizola, o último caudilho gaúcho
Luiz Artur Ferraretto - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Falecido aos 82 anos, Leonel de Moura Brizola marcou a história brasileira com um nacionalismo fervoroso, uma defesa intransigente do ensino para superar o subdesenvolvimento e doses consideráveis de populismo. Em sua performance como liderança partidária, havia muito da impetuosidade e do carisma associados ao caudilho, típica figura da política latino-americana. Trata-se de uma postura na qual se identifica um elemento central citado por Ludovico Incisa (In: BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1997. v.2, p. 980-6) ao definir populismo: o povo, referido com frequência e de forma vaga, aparece como inspiração e fonte de virtude e de legitimidade. Fora isto, Brizola defendia um capitalismo de matriz nacional, aquele que Octávio Ianni (1971. p. 307-8) identificou como predominante nos períodos de 1930-1945, 1951-1954 e 1961-1964. Nos dois primeiros, Getúlio Vargas, ideólogo dos trabalhistas, governa o país, enquanto, no último, é João Goulart, secundado pelo próprio Brizola, que encabeça o processo.
De origem humilde, Leonel Brizola nasceu em Carazinho (RS), no dia 22 de janeiro de 1922, e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), em 21 de junho de 2004. Ingressou no Partido Trabalhista Brasileiro em 1945 e, um ano depois, era eleito deputado estadual, aproximando-se do seu colega de bancada João Goulart. No ano de 1950, casou-se com a irmã de Jango, Neusa Goulart, tendo Getúlio Vargas como padrinho. De 1952 a 1954, ocupou a Secretaria de Obras do Rio Grande do Sul. No cargo, forjou uma imagem de incentivador do ensino resumida no slogan: “Nenhuma criança sem escola”. Com o país ainda sob o impacto do suicídio de Vargas, chegou à Câmara dos Deputados nas eleições de outubro de 1954. No ano seguinte, elegeu-se prefeito de Porto Alegre. Na sua gestão, foram construídas 137 escolas, beneficiando 80 mil alunos. O trabalho à frente da então terceira maior cidade do país impulsionaria a sua eleição ao governo do estado em 1958.
De 1959 a 1963, a administração de Brizola centra-se no desenvolvimento da economia gaúcha com base no capital privado nacional e na intervenção do Estado. Coerente com sua proposta nacionalista, encampa a Companhia de Energia Elétrica Rio-grandense, pertencente à American and Foreign Power Company, e a Companhia Telefônica Rio-grandense, subsidiária da International Telephone and Telegraph. No ensino, são construídas 5.902 escolas primárias, 278 escolas técnicas e 131 ginásios. A veia populista manifesta-se em seus longos discursos na Rádio Farroupilha, experiência que inspira a encampação provisória de outra emissora, a Guaíba, durante a crise provocada pela renúncia de Jânio Quadros em 24 de agosto de 1961. Com a mobilização popular através do rádio, é garantida a posse de João Goulart, mesmo que sob o parlamentarismo, sistema de duração efêmera. Eleito deputado pelo estado da Guanabara em 1962, Brizola passa a ser a principal voz em defesa do governo na Câmara Federal e junto à sociedade civil. É, por este motivo, um dos primeiros a ter seus direitos cassados após o golpe que destitui Jango em 1964.
O exílio a que se vê obrigado vai se estender até setembro de 1979. De político que pretendia resistir a todo custo ao golpe, posição a distanciá-lo de Goulart, passa por um processo de aproximação com socialistas e sociais democratas europeus. Ao retornar ao Brasil, em uma manipulação orquestrada pelo regime militar, perde a disputa pela denominação PTB e tem de fundar o Partido Democrático Trabalhista, pelo qual se elege governador do Rio de Janeiro em 1982. Na contagem dos votos, denuncia uma tentativa de fraude envolvendo a Proconsult, empresa responsável pelos dados do pleito, e a Rede Globo de Televisão. Até 1986 e, depois, em seu segundo mandato, de 1990 a 1994, a principal bandeira política de Brizola será a construção de Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), instituições de ensino em turno integral.
Com a volta plena da democracia, candidata-se, sem sucesso, à presidência da República nas eleições de 1989 e 1994. Em 1998, aceita ser vice na chapa de Lula, de quem, posteriormente, afasta-se. Em meio a campanhas cada vez mais televisivas e orientadas por marqueteiros, postula a prefeitura do Rio, no ano 2000, e o Senado Federal, em 2002, saindo derrotado em ambos os pleitos. Homem da era do rádio e de longas charlas, vocábulo hispânico usado no Cone Sul como sinônimo de conversa, Brizola não se adaptara às fabricações de imagem comuns destes novos tempos. Ao falecer em 2004, continuava um nacionalista ferrenho a defender o desenvolvimento do país a partir do ensino. Não por acaso, quando seu corpo deixa o hospital para ser levado ao local do velório, o último caudilho gaúcho foi saudado por seus admiradores com o Hino da Independência.
Referências
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (org.). Dicionário de Política. 10.ed. Brasília: Editora UnB, 1997. 2v.
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL. Dicionário histórico-biográfico brasileiro – Pós-1930. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. CD-ROM.
IANNI, Octavio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. 322p. (Retratos do Brasil, 83).
SADER, Emir; JENKINGS, Ivana (Coord.). Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo/ Rio de Janeiro: Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2006. 1.472p.