Leila Diniz
Leila Diniz: brasileira para lá de bendita
Maria das Graças Targino
Universidade Federal do Piauí
1 Leila Diniz: irreverência e sensualidade à flor da pele
“Todos os cafajestes que conheci na minha vida eram uns anjos de pessoas.”
É bem possível que a geração muito jovem que aí está não conheça a trajetória fugaz da atriz brasileira Leila Roque Diniz ou, apenas, Leila Diniz. Fugaz, porque ela partiu rumo aos céus, ainda muito jovem, vítima de um acidente aéreo, voo JAL471 da Japan Airlines, no dia 14 de junho de 1972, aos 27 anos. Regressava de uma viagem à longínqua Austrália, onde participara do Festival Internacional de Adelaide para promover o filme “Mãos vazias.” Ao resgatar seus restos mortais em Nova Deli, Índia, local do fatídico desastre, seu cunhado encontra, também, algumas anotações e uma frase inacabada, quando a atriz escreve: “[...] está acontecendo alguma coisa muito es [...]”, provavelmente, referindo-se aos indícios do acidente que viria a acontecer.
Fluminense, nascida em 25 de março de 1945, filha de pais separados prematuramente, Newton Diniz e Ernestina Roque, Leila possui quatro irmãos: Lígia Diniz, Elio Roque Diniz, Eli Roque Diniz e Regina Roque Diniz. A jovem inicia sua vida como muitas outras adolescentes. Seguindo a orientação dos pais, segue o magistério e atua como professora do jardim de infância em subúrbio carioca. É quando conhece, ainda aos 17 anos, seu primeiro amor, o cineasta Domingos de Oliveira, com quem se mantém unida por três anos, de 1962 a 1965. Nesse momento, surge a sonhada chance de iniciar sua carreira como atriz.
Estreia no teatro e no cinema. Depois, é a vez de atuar em telenovelas da Rede Globo de Televisão. Mais tarde, casa-se com o cineasta moçambicano Ruy Guerra, entre 1965 e 1971, com quem tem sua única filha, Janaína Diniz Guerra. Ao longo dos dias, a marca maior da Leila ganha destaque – irreverência e sensualidade à flor da pele. O mundo lá fora ouve e dança ao som do rock and roll. O Brasil descobre a bossa nova. Ela canta e dança. Desafia costumes.
Sua foto com a barriguinha de gravidez avançada exposta ao sol ocupa capas de revistas e primeiras páginas dos grandes jornais nacionais. Ainda hoje, estudiosos da moda, à semelhança da professora Miti Shitara, ao tempo em que admite ser o biquíni criação dos franceses, transcorridos tantas décadas da popularização da “quase vestimenta”, reconhece a influência de Leila, em particular, dentre as grávidas, face à imagem que rodou o mundo da jovem mulher com a bela barrigona de oito meses ao vento frente ao mar de Ipanema na década de 70 do século passado. E não para por aí: a atriz causa mais e mais rebuliço, adiantando-se ao que, nos dias atuais, é cada vez mais comum: amamentar a filha Janaína diante do público.
2 Leila Diniz: militares e feministas
“Viver, intensamente, é você chorar, rir, sofrer, participar das coisas, achar a verdade nas coisas que faz. Encontrar em cada gesto da vida o sentido exato para que acredite nele e o sinta intensamente.”
Sua autenticidade passa a incomodar a gregos e troianos. A forma como lida com a sexualidade, idem. Por exemplo, ao admitir publicamente, por meio de frase que se celebriza nos meios teatrais e sociais – “transo de manhã, de tarde e de noite” – ao tempo em que exalta a sexualidade feminina, deixa em estado de alerta a sociedade conservadora das décadas de 60 e 70 do Brasil. Desafia. Enfrenta. Joga na cara a hipocrisia social do dia a dia. Descobre o que se passa debaixo das alcovas. Divide opiniões. Diverte alguns. Ganhe adeptos e inimigos em diferentes segmentos e / ou facções. Tudo simultaneamente.
Rememora-se que o Brasil vive pleno Regime Militar (1964-1985). As convenções correm soltas. As atitudes mais ousadas são vistas, sempre, como desafios aos bons costumes apregoados pelos militares. A repressão atinge expressões variadas de arte, incluindo teatro, cinema, literatura, imprensa e música, oficialmente, graças à atuação da Divisão de Censura de Diversões Públicas. Adiante, os militares instalam o Conselho Superior de Censura, ironicamente, com o propósito de amenizar a ação dos censores e, por conseguinte, auxiliar na posterior abertura política. Mesmo após a instalação do CSC, a DCDP prossegue a censurar cantores consagrados, como Raul Seixas e Chico Buarque de Holanda. Mais tarde, findo o mandato do último presidente militar, o Ministro da Justiça, à época, o deputado Fernando Lyra, extingue o CSC, mas, mantém a DCDP.
Embora Leila tenha partido bem antes do fim da Ditadura, nesse ínterim, ela permanece na mira dos que juram estar tão somente a favor dos bons costumes. E mais, desperta a ira de boa parte das feministas. Estas argumentam que a atriz age como mera mercadoria em prol dos homens, desrespeitando, inclusive, as famílias, ao adotar corriqueiramente um linguajar de baixo calão. A este respeito, dentre as entrevistas concedidas pela jovem atriz à imprensa, a de maior repercussão diz respeito à que consta no célebre semanário alternativo brasileiro, “O Pasquim”, editado entre 1969 e 1991 e reconhecido por sua flagrante oposição à Ditadura Militar. Além da quantidade de palavrões, substituídos por asteriscos, a atriz afirma ipsis litteris: “Você pode [...] amar uma pessoa e ir para cama com outra. Já aconteceu comigo”, estimulando o amor livre e a promiscuidade.
A repercussão da edição do ano de 1969 é tamanha que após o impacto das palavras da atriz na mídia, o Governo Militar instaura a censura prévia à imprensa pelas mãos do então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, que passa a ser conhecida como “Decreto Leila Diniz.” Perseguida, Leila segue para o sítio de Flávio Cavalcanti (TV Tupi), que, apesar de ter iniciado sua vida como bancário (Banco do Brasil), se notabiliza como jornalista, e, em especial, como apresentador de TV e compositor brasileiro, e para quem Leila trabalha posteriormente como jurada em seu programa de auditório.
Acusada de ajudar militantes de esquerda e de mil outros feitos, a atriz termina por não ter seu contrato renovado junto à TV Globo do Rio de Janeiro. Segundo dados da sempre polêmica enciclopédia colaborativa Wikipédia, Janete Clair, autora de novelas de sucessivos êxitos no horário das 20h, o que lhe rendeu a alcunha de “Maga das Oito” ou “Dama das Oito” ou “Nossa Senhora das Oito”, alega que não haveria papel de prostituta nas próximas novelas da emissora.
“Ao dar a volta por cima”, Leila prossegue em outros canais televisivos (Quadro 2) e tenta reabilitar o teatro de revista. Estrela a peça tropicalista “Tem banana na banda”, com base em textos de Millôr Fernandes, Luiz Carlos Maciel, José Wilker e Oduvaldo Viana Filho, o que lhe rende o título de Rainha das Vedetes, concedido por Virgínia Lane.
Em pleno carnaval de 1971, é eleita Rainha da Banda de Ipanema por Albino Pinheiro e companheiros. No ano seguinte, quando de sua morte, registra-se um gesto de imensa lealdade e amizade do então casal Marieta Severo e Chico Buarque – eles assumem a pequena Janaína, com apenas sete meses, quando da partida prematura da mãe. Durante muito tempo, cuidam da criança, até que o pai biológico, Ruy Guerra, possa cuidar da filha.
3 Leila Diniz: chapinha de “O Pasquim”
“Nem de amores eu morreria porque eu gosto mesmo é de viver deles.”
Incrível localizar e disponibilizar a todos os interessados, na íntegra, a polêmica entrevista concedida por Leila Diniz ao alternativo “O Pasquim”, que se mostra interessante desde o preâmbulo quando diz, literalmente:
Leila Diniz é chapinha d’O PASQUIM e sua entrevista é mais do que na base do muito à vontade. Durante duas horas ela bebeu e conversou com a equipe de entrevistadores numa linguagem livre e, portanto, saudável. Seu depoimento é de uma moça de 24 anos que sabe o que quer e que conquistou a independência na hora em que decidiu fazer isto. Leila é a imagem da alegria e da liberdade, coisa que só é possível quando o falso moralismo é posto de lado (http://www.omartelo.com/omartelo23/musas.html).
Dentre os entrevistadores, estão figuras do cenário nacional, como Jaguar (cartunista brasileiro – Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe); Sérgio Cabral (um dos criadores de “O Pasquim” e pai do jornalista e político Sérgio Cabral Filho, governador do Rio, entre 2007 e 2013); e Tarso de Castro, também um dos idealizadores do “jornal que abalou a República”, como dizem por aí. No decorrer da entrevista, há provocações e, sobretudo, muitos momentos de reflexão. Isto porque, como os compiladores explicam, o intuito em reproduzir, em pleno século XXI, ano 2016, o registro de um longo encontro de tantos anos e décadas atrás, não é apenas reavaliar o passado, e, sim, pensar o Brasil de hoje e a realidade que nos rodeia. Para tanto, mantém-se o conteúdo em sua totalidade, incluindo até os asteriscos que assinalam os palavrões censurados na versão original, além da riqueza quase inesgotável de belas e representativas ilustrações da entrevistada.
4 Leila Diniz: rica e variada produção
“Sempre andei sozinha. Me dou bem comigo mesma.”
Face à divergência das fontes, apesar de ser difícil mensurar com exatidão a produção de Leila Diniz ao longo de sua curta, mas profícua existência, tudo indica que, ao todo, ela participou de 14 filmes (Quadro 1), um dos quais póstumos, “O dia marcado”, sobre o qual pairam muitas dúvidas sobre sua direção e produção. No caso de “Todas as mulheres do mundo” e de “Edu, coração de ouro”, a direção é de Domingos de Oliveira.
Quadro 1 – Leila Diniz no cinema
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Ano |
Título |
1967 |
Mineirinho, vivo ou morto |
1967 |
Todas as mulheres do mundo |
1967 |
Juego peligroso |
1968 |
Edu, coração de ouro |
1968 |
O homem nu |
1968 |
A madona de cedro |
1968 |
Fome de amor |
1969 |
Corisco, o diabo loiro |
1969 |
Os paqueras |
1970 |
Azyllo muito louco |
1970 |
O donzelo |
1971 |
Mãos vazias |
1972 |
Amor, carnaval e sonhos |
1977 |
O dia marcado |
Se no cinema, adere ao movimento do chamado cinema novo, que se opõe timidamente aos padrões estéticos e poderosos de Hollywood, na televisão brasileira, Leila participa de 12 telenovelas (Quadro 2) e variadas peças teatrais. Dentre estas, está “O preço de um homem”, quando contracena com a já reconhecida Cacilda Becker, ano 1964. Também se arrisca em uma ou outra composição musical, a exemplo de “Um cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco”, em parceria com Milton Nascimento, cuja letra é bastante simples. Diz assim: “Brigam Espanha e Holanda pelos direitos do mar. O mar é das gaivotas que nele sabem voar. Brigam Espanha e Holanda pelos direitos do mar. Brigam Espanha e Holanda por que não sabem que o mar, por que não sabem que o mar, por que não sabem que o mar, é de quem sabe amar (http://www.vagalume.com.br/milton-nascimento/um-cafune-na-cabeca-malandro-eu-quero-ate-de-macaco.html#ixzz3zVHTUFOw).
Quadro 2 – Leila Diniz na televisão
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Ano |
Título |
Emissora |
1965 |
Ilusões perdidas |
Rede Globo |
1965 |
Paixão de outono |
TV Paulista |
1965 |
Um rosto de mulher |
TV Paulista |
1966 |
Eu compro esta mulher |
Rede Globo |
1966-1967 |
O sheik de Agadir |
Rede Globo |
1967 |
A rainha louca |
Rede Globo |
1967 |
Anastácia, a mulher sem destino |
Rede Globo |
1968 |
O direito dos filhos |
TV Excelsior |
1969 |
Acorrentados |
TV Rio |
1969 |
Vidas em conflito |
TV Excelsior |
1969-1970 |
10 vidas |
TV Excelsior |
1970 |
E nós, aonde vamos? |
TV Tupi |
5 Leila Diniz: maldita, nunca; malfalada, talvez
“Felizmente, já amei muito e espero amar mais ainda.”
Pensar em Leila Diniz dentre os brasileiros malditos consiste em clássico engano. Malfalada, talvez. Afinal, seu nome ou a lembrança que traz à mente dos que guardam sua imagem no coração e na mente nos remete, de imediato, a alguém que, de forma corajosa, rompe convenções e barreiras. Barreiras de diferentes naturezas, incluindo as de ordem linguística e as de ordem moral, ao escancarar o que se faz por debaixo dos lençóis de chita ou de linho. E há sempre razões que justificam comportamentos como, por exemplo, acerca do uso abusivo dos palavrões. Ela diz na entrevista a “O Pasquim”:
JAGUAR – Foi seu psicanalista que mandou você dizer palavrão?
LEILA – Não. Faz muito tempo que [...] não faço análise. Eu me desinibi dançando, dançava paca, você sabe disso; no mar, na praia, etc., tinha atitudes físicas para me desinibir, eu [*], nadava, dançava. Fiquei mais segura e me expresso, agora, como [...] tenho mais vontade [...] Acho o palavrão gostoso e é uma coisa normal para mim. Quando ouvi um pedaço dessa gravação fiquei até um pouco chocada, mas quando [...] falo, [...] não sinto que estou dizendo palavrão. É gozado: meu pai, por exemplo, não fala palavrão. Lá em casa não se dizia nem cocô: a gente falava fezes. Tinha que ser tudo naquela base, que são palavras muito mais feias do que palavrões. Mas o palavrão virou verdade em mim e quando as coisas são verdade as pessoas aceitam. Então meu pai aceita, embora ele não fale nem cocô. Morre de rir, bate-papo comigo e tal. De vez em quando, ele diz: não dá para você falar de outro jeito? Aí eu digo: ah [*] para isso.
Quer dizer, Leila Diniz desnuda-se sem pudor. Não há agressividade em muitos de seus gestos. Há, sim, certo encantamento de menina. Isto se comprova no fato de que muitas de suas atitudes, como a exposição de seu barrigão de gestante, ganharem uma multidão de adeptos poucos anos depois continuamente. Ademais, ela permanece viva e vívida até hoje no universo dos que fazem a comunicação neste Brasil na condição de uma brasileira para lá de bendita!
Fontes consultadas
LEILA Diniz. Disponível em: <http://biografias.netsaber.com.br/biografia-297/biografia-de-leila-diniz>. Acesso em: 2 fev. 2016.
SHITARA, M. Retrospectiva da moda: como foram os 10 primeiros anos do século XXI na moda. 2016. Disponível em: <http://mulher.uol.com.br/moda/info graficos/2011/01 /06/ retrospectiva-da-decada.htm>. Acesso em: 2 fev. 2016.
TODA mulher quer ser Leila Diniz. A famosa entrevista para “O Pasquim.” Disponível em: <http://www.omartelo.com/omartelo23/musas.html>. Acesso em: 4 fev. 2016.
WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Leila Diniz. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/ Leila_Diniz>. Acesso em: 2 fev. 2016.