José Reis
José Reis: produzindo e divulgando ciência, este sim, sem fronteiras
Palavras-chave: Divulgação científica; Ciência; José Reis; Folha de S.Paulo; Prêmio.
“Rapadura é doce, mas não é mole, não.” Talvez fosse essa a forma que o médico carioca e referência na área de divulgação científica no Brasil, José Reis (1907-2002), escolheria para traduzir de uma forma simples a frase:
O dissacarídeo de fórmula C12H22O11, obtido através da fervura e da evaporação de H2O do líquido resultante da prensagem do caule da gramínea Saccharus officinarum, Linneu, isento de qualquer outro tipo de processamento suplementar que elimine suas impurezas, quando apresentado sob a forma geométrica de sólidos de reduzidas dimensões e arestas retilíneas, configurando pirâmides truncadas de base oblonga e pequena altura, uma vez submetido a um toque no órgão do paladar de quem se disponha a um teste organoléptico, impressiona favoravelmente as papilas gustativas, sugerindo a impressão sensorial equivalente provocada pelo mesmo dissacarídeo em estado bruto que ocorre no líquido nutritivo de alta viscosidade, produzindo nos órgãos especiais existentes na Apis mellifica, Linneu. (HOLSEL, s.d.)
Nascido no Rio de Janeiro, em 12 de junho de 1907, José Reis foi o antepenúltimo dos treze filhos de Alfredo de Souza Reis e Maria Paula Soares Reis. Reis formou-se em Medicina pela Faculdade Nacional de Medicina (1925-30) e Instituto Oswaldo Cruz (1928-29), José Reis ingressou no Instituto Biológico (IB), em 1929, como bacteriologista.
A medicina foi um pouco decepcionante para José Reis, conforme registra a pesquisadora Linair de Jesus Martins (2004). Citando texto do autor, em 2002, ela registra que a ideia de abraçar a medicina surgira quando ele era criança, empolgado com a figura do médico de família.
“Ao fim do ginásio, porém, as cadeiras que neles eram menos ensinadas - ciências físicas e naturais me atraíam de tal modo que compensei por meus próprios esforços as deficiências práticas e teóricas do ensino e passei até a ensinar essas matérias a alunos particulares, naquele tempo numerosos" (REIS, 2002, p. 22, apud MARTINS, 2004).
Conforme a mesma pesquisadora, a experiência que José Reis teve nas enfermarias durante o curso de medicina também foi outro fator que proporcionou uma grande decepção do médico quanto à profissão.
"Até hoje guardo em meus olhos a tristeza, o desencanto, a derrota que, jovem, li nos olhos grandes e fixos no distante teto da enfermaria, de uma moça a quem o mestre desnudava sem o menor respeito ante a mocidade também em grande parte pouco respeitosa. A enorme tristeza que se apoderou de mim serviu de inspiração para que eu procurasse nortear minha vida pelo respeito às pessoas, e muito em particular, pelas pessoas doentes" (REIS, 2002, pg. 23, apud MARTINS, 2004).
No IB José Reis foi responsável por estudar uma doença que acometia as galinhas de uma determinada região de São Paulo, ele percebeu que os criadores precisavam conhecer os resultados de sua pesquisa, para que ela alcançasse resultados práticos. Em entrevista concedida a Entrevista concedida a Alzira Alves de Abreu (CPDOC/FGV e UFRJ), em 1982, Reis lembra que: “Começou a preparar panfletos em linguagem clara e a publicar artigos em revistas especializadas. Começava aí a trajetória que o faria conhecido como o pai da divulgação científica no Brasil” (ABREU, 1982). José Reis ocupou o cargo de diretor-geral do Departamento do Serviço Público de São Paulo de 1942 a 1945, tornando-se professor de Administração da Universidade de São Paulo e da Universidade Mackenzie (1946-47), professor de Economia, redator científico do jornal Folha de S.Paulo, diretor da revista Ciência e Cultura, autor de livros infanto-juvenis, novelas de rádio, livros e artigos científicos (ABREU, 1982).
Em 1935, José Reis consegue através do professor Thomas M. Rivera do Instituto Rockfeller uma bolsa de estudos para trabalhar em seu laboratório a fim de se aperfeiçoar em novas técnicas sobre vírus. Em agosto deste mesmo ano embarca para Nova York com sua esposa onde ficou por um ano. Reis recebeu convite para permanecer nos estados Unidos, mas rejeitou por achar que havia estudado lá para "melhor servir meu País" e o que lhe interessava era mesmo a ciência como havia cultivado no Instituto Biológico (REIS, 2002, pg. 43, apud MARTINS, 2004).
Dr. José Reis foi brindado com diversos prêmios, entre eles o "John R. Reitemeyer", em 1964 (pela Sociedade Interamerica de Imprensa e União Panamericana de Imprensa), no México; Prêmio "Kalinga", em 1975, concedido pela Unesco e recebido na sede do CNPq e Prêmio "Instituto Biológico", no próprio IB, onde conta com o auditório foi batizado com seu nome. Em sua homenagem também foi criado o "Núcleo José Reis de Divulgação Científica", na ECA/USP, em 1992, onde o autor deste verbete cursou especialização em divulgação científica, em 2000.
Como o próprio José Reis lembra em entrevista concedida em 1982, nunca foi cientista brilhante, dotado de criatividade que produz trabalhos originais que mexessem com as bases da própria ciência. “Fui antes um pesquisador sistemático, interessado em identificar doenças e micróbios, alguns conhecidos, outros ignorados. O impulso que sentia para divulgar os achados da ciência talvez seja, no fundo, uma forma de criatividade didática” (ABREU, 1982). José Reis, no mesmo depoimento, recorda que quando começou, na década de 40, o trabalho de divulgador científico havia certa reserva quanto ao cientista que frequentava as colunas de jornais e revistas populares. “Mas a tradição isolacionista do pesquisador gerou muitos ressentimentos entre o cientista e os jornalistas. De um lado os cientistas, muito ciosos da precisão da informação até mesmo em minúcias de nenhum interesse público, e de outro os jornalistas”, explica o médico (ABREU, 1982).
Instado a definir divulgação científica, José Reis assim o fez: “É a veiculação em termos simples da ciência como processo, dos princípios nela estabelecidos, das metodologias que emprega” (ABREU, 1982). Reis casou-se com Anita Swensson Reis (uma assistente de pesquisa com quem trabalhou no IOB), com quem teve dois filhos. José Reis faleceu às 10 horas da manhã do dia 17 de maio de 2002, aos 94 anos de idade, no Hospital São Luís, em São Paulo, em decorrência de pneumonia.
A obra de Reis é composta de vários livros como "Tratado de Ornitopatologia", "Rasgando Horizontes", "Methoden der Virusforschung", "Educação é Investimento". Para crianças, com o objetivo de divulgar a ciência, publicou: "A Cigarra e a Formiga" (adaptação da fábula à realidade brasileira), "As Galinhas de Juca", "Que Formiga!", "O Menino Dourado", "Aventura no Mundo da Ciência", além de várias traduções de obras literárias e de divulgação e especialidade científica (BONALUME NETO, 2002).
Com grande contribuição para a ciência, José Reis reconhece que seu trabalho o realizou profissionalmente nos seus 94 anos de existência. Em suas próprias palavras: “A divulgação envolve para mim dois dos maiores prazeres desta vida: aprender e repartir” (ABREU, 1982).
Referências:
ABREU, Alzira Alves de. José Reis. Portal de Divulgação Científica e Tecnológica. Canal da Ciência, 1982. Disponível em: http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/livros/jose_reis_28.html. Acesso em: 12 fev.2016
BONALUME NETO, Ricardo. Cientista e jornalista José Reis morre em São Paulo. Folha de S.Paulo, 16/05/2002, 17h28. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u6525.shtml
HOLSEL, Beto. Como simplificar um texto científico [s.d.]. Disponível em: http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/jokes/simpl-texto.html. Acesso em: 12 fev.2016
MARTINS, Linair de Jesus. A trajetória de um jornalista-educador. Anais do II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, 2004. Disponível em: http://www2.eca.usp.br/pjbr/arquivos/monografia3_a.htm. Acesso em: 12 fev.2016