Jorge Amado
JORGE AMADO: SUA VIDA É SUA OBRA. SUA OBRA É SUA VIDA
Jorge Amado: sua vida...
Dizem que nada é por acaso. E, na verdade, coincidentemente, ao longo da vida, na condição de docente, sempre citamos Jorge Amado como o exemplo incontestável de que o conhecimento da vida dos autores – romancistas ou não – ajuda, e muito, a compreender e apreender sua obra. Então, apresentava a questão: Jorge Amado teria sido o Jorge Amado (JA) que conhecemos se nascera em outra região, em outro país, em outra realidade?
Nascido em 10 de agosto de 1912, numa família de classe média alta, filho do fazendeiro de cacau, o “coronel” João Amado de Faria e de Eulália Leal Amado, Jorge Leal Amado de Faria chega ao mundo na Fazenda Auricídia, distrito de Ferradas, município de Itabuna, sul da Bahia, BA. Além de JA, o casal gera outros meninos: Jofre (1915), morto aos três anos, o neuropediatra Joelson Amado, de 1920 e o também escritor James Amado, de 1922.
Jorge Amado frequenta, por muitos anos, escola de regime interno. Primeiro, Colégio Antônio Vieira, de padres jesuítas. Depois, Ginásio Ipiranga. Ambos em Salvador. Envolve-se com as Letras desde então, mais especificamente, aos 14 anos. É quando integra, como um dos jovens idealizadores, a “Academia dos Rebeldes.” A esta altura, já edita e distribui na vizinhança jornalzinhos, tais como “A Luneta”, “A Pátria” (jornal do grêmio do Ginásio) e “A Folha”, da ala de oposição à “A Pátria” Logo depois, com 15 anos, ainda como aluno, agora, do regime de externato, já morando no Pelourinho, passa a atuar como repórter policial no “Diário da Bahia.” Daí, segue para o “O Imparcial.”
Em 1931, ingressa na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. A convivência com o “Movimento de 30” é um marco para a formação de sua personalidade, tal como as amizades que faz ao longo daqueles anos. Dentre os companheiros de toda a vida, está Graciliano Ramos. Rachel de Queiroz lhe dá as boas vindas aos preceitos igualitários do comunismo, como usual entre os intelectuais da época. Também é a fase gradativa de descoberta de outros nomes, como Raul Bopp, José Américo de Almeida, Gilberto Freyre, Carlos Lacerda, José Lins do Rego e Vinicius de Moraes.
Na realidade, a primeira obra publicada por Jorge Amado é a novela “Lenita” (1929), escrita a seis mãos, ou seja, em coautoria com o escritor brasileiro, especializado em temas afro-brasileiros, Edison de Souza Carneiro (de cuja bibliografia, não consta “Lenita”) e Dias da Costa. Publicada em “O Jornal”, nela, JA adota o pseudônimo de Y. Karl e nunca o inclui no rol de suas obras completas, alegando ser “coisa de guri.” Em compensação, oficialmente, é, em 1931, que publica seu primeiro romance, “O país do carnaval”, com prefácio do poeta da segunda geração do Modernismo brasileiro, Augusto Frederico Schmidt, e tiragem de mil exemplares, naquele momento, verdadeiro recorde. O romance “Cacau”, de 1933, seu segundo livro, é apreendido por militares, o que o leva ao exílio, na vizinha Argentina. Ainda no mesmo ano, mês de dezembro, casa-se, em Estância (Sergipe, SE), com Matilde Garcia Rosa, falecida em 1986, com quem tem uma filha, Eulália, nome da mãe do escritor. Eulália Dalila Amado ou, simplesmente, Lila, nascida em 1935, morre aos 14 anos, 1949, ao que parece, vítima de leucemia.
Prossegue a escrever e conclui seu bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais, ano 1935, em meio a perseguições políticas contínuas e sistemáticas, sem porém, ter jamais exercido a advocacia. No período de 1936 a 1937, é preso como oponente ao Estado Novo. Entre idas e vindas em território nacional ou não, entre fugas e esconderijos, entre prisões e solturas, milhares de exemplares de títulos por ele lançados são taxados de revolucionários e queimados em Salvador por drástica ordem militar. Em 1938, é liberado e vai para São Paulo, SP. Novamente, se exila na Argentina e no Uruguai, de 1941 a 1942, quando percorre parte da América Latina. Com Matilde, a separação se dá, finalmente, em 1944.
Seguindo sua tumultuada trajetória, torna-se redator de “Dom Casmurro”, revista literária semanal, dirigida por Álvaro Moreyra [Álvaro Maria da Soledade Pinto da Fonseca Velhinho Rodrigues Moreira da Silva] e Luiz Leopoldo Brício de Abreu, com circulação de menos de 10 anos – 1937 a 1944, embora, no momento, se imponha como a mais importante publicação brasileira do gênero, chegando à tiragem de 50 mil exemplares por semana. Também trabalha em “Diretrizes”, revista cultural mensal com vistas a um público mais amplo. Lançada em 1938, na cidade do Rio de Janeiro (RJ) e com ampla distribuição no país, conta com figuras emblemáticas do jornalismo brasileiro. Entre elas, Samuel Wainer, jornalista e empresário, fundador, editor-chefe e diretor do jornal “Última Hora”, além de ter se notabilizado pela companhia da notória socialite Danuza Leão; e Antônio José de Azevedo Amaral ou, apenas, Azevedo Amaral, médico, escritor, jornalista e tradutor brasileiro, mas, sobretudo, jornalista político, ironicamente conhecido como intelectual de direita.
Após a edição de biografia do revolucionário Luiz Carlos Prestes, 1942, em Buenos Aires, JA é, mais uma vez, detido e preso ao desembarcar em Porto Alegre e proibido de deixar Salvador. Poucos anos depois, 1945, investe em sua candidatura a deputado pelo Partido Comunista Brasileiro. No mesmo ano, exatamente em 1945, conhece a escritora paulista Zélia Gattai, nascida em 2 de julho de 1916 e, também, sobrevivente de um primeiro casamento de oito anos, com Aldo Veiga, com quem tem um filho, Luís Carlos, também de SP, ano 1942.
Conhecedora e fã do escritor baiano, a mulher se envolve por ideais comuns. Lutam lado a lado em prol do movimento pela anistia dos presos políticos. Desde então, o casal não mais se separa. Zélia continua ao lado do marido até sua morte –56 anos de intenso convívio. Cúmplice, companheira ativa, é uma “verdadeira faz tudo”: datilografa e revisa textos, opina sobre todos os projetos e assim por diante. Aliás, “reza a lenda” que jamais Amado travou amizade com o computador e se mantém fiel à velha máquina de escrever, atribuindo-se a ele frase notória: “Continuo batendo com dois dedos e errando muito [...] Sou um dos homens mais incapazes do mundo. A lista de minhas incapacidades é enorme.”
Retomando a vida política, Jorge Amado, eleito como o deputado federal mais votado do Estado de SP, tem o mandato suspenso face à ilegalidade do PCB, declarada em 1947, ano de nascimento de seu primogênito, João Jorge, em 25 de novembro, que se torna sociólogo e autor de peças teatrais infantis. Mesmo assim, consegue deixar importante legado: por exemplo, é autor da lei, ainda em vigor, que assegura o direito à liberdade de culto religioso. A esta altura, a família parte para a França, em exílio, até 1950. Então, é expulsa e segue para Praga, capital da República Checa, onde permanece entre 1950 e 1952. Nesse ínterim, em 19 de agosto de 1951, é a vez da chegada da filha Paloma Jorge, mais tarde, psicóloga.
Jorge Amado retorna ao Brasil e opta por viver de literatura. Sem dúvida, sobretudo nas gerações mais recentes, é um dos poucos letrados que consegue viver exclusivamente dos direitos autorais de seus títulos. Abandona a militância, mas jamais, seus ideais políticos ou comunistas. A esta altura, possui residência no RJ, sem jamais abandonar suas raízes e sua Bahia, que lhe presenteia com personagens incríveis, dignos da mescla que caracteriza nossa população em diferentes itens – raça, credo, orientação sexual, tendências políticas, etc.
Independentemente do sucesso que o acompanha e do amor intenso vivido ao lado de Zélia, não se mantém imune à passagem das décadas. Aos 84 anos, 1996, Jorge Amado sofre um edema pulmonar e é, então, submetido à angioplastia. Nunca mais volta a ser o mesmo. Sem a visão perfeita, passa a enfrentar dificuldades para ler e escrever, o que lhe traz profunda tristeza. Em 2001, nova internação, desta vez em face de uma crise séria de hiperglicemia e fibrilação cardíaca. Retorna ao lar, mas não resiste. Falece, em Salvador, no dia 6 de agosto de 2001, quase aos 89 anos. Fiel ao desejo manifesto pelo escritor, a família providencia a cremação. Suas cinzas estão no jardim de sua residência, à Rua Alagoinhas, e ali foram postas, no dia exato em que faria 89 anos.
Com sua morte, a imprensa localiza no Rio de Janeiro familiares da primeira mulher e com eles verdadeira relíquia: manuscrito pleno de versos escritos em homenagem a Matilde. Além do valor literário do achado, sua descoberta permite aos estudiosos de sua obra informações sobre uma etapa da vida do romancista, até então obscura – os 11 anos, 1933 a 1944, época de sua união com Matilde.
Jorge Amado: sua obra...
Escrever sobre Jorge Amado é retomar a vida da população brasileira ou do povo baiano, em particular, com sua irreverência, seu sensualismo e sua brasilidade. Isto justifica a quase totalidade de seus biógrafos, dispersos entre acadêmicos e estudiosos de formações distintas, até então o considerarem representante da segunda fase do Modernismo nacional e, ainda, um dos expoentes do romance regionalista / romance proletário / romance da terra ou outras designações a ele atribuídas e sempre polêmicas.
Traz ao palco temas no contexto do realismo socialista, atingindo grande popularidade, ao se libertar da estética soviética para contar histórias que persistem genuínas e legítimas e, por isso, comovem grandes públicos. O autor insere paisagens, paixões, amores, dramas, secas rigorosas e a perdição da migração, invariavelmente, com ênfase para os segmentos sociais menos favorecidos, a exemplo de crianças abandonadas, plantadores de cacau, artesãos, pescadores, prostitutas, cafetões, vagabundos ou trabalhadores que sobrevivem à beira do cais, na capital baiana ou em periferias da cidade grande e que se transmutam em heróis populares, nem sempre fiéis à ética e ao decoro.
É o caso de Vadinho, o malandro de “Dona Flor e seus dois maridos” que, num domingo de carnaval, parte da boemia para mais além, mas não deixa de azucrinar os que ficam. Há, ainda, o exportador carioca Mundinho Falcão e o árabe Nacib, que marcam presença na vida da singela sertaneja Gabriela, em “Gabriela, cravo e canela.” Esta faz companhia a outras fêmeas de extrema sensualidade, como Dona Flor; Tereza Batista, em “Tereza Batista cansada de guerra”, ano 1972; Antonieta (ou Tieta), em “Tieta do agreste”, romance de 1977.
Além do mais, Jorge Amado explora, com frequência, a tragédia que se segue às epidemias, tal como a varíola, responsável pela mudança de sua família, quando tinha apenas um ano, para viver em Ilhéus, a que chama carinhosamente, vida afora, de “Princesinha do sul, terra de encantos e magias.” Ali, vive parte de sua infância e, portanto, o município, está muito presente em sua bibliografia, como em “São Jorge dos Ilhéus”, “Gabriela, cravo e canela” e “Capitães de areia.” Ainda hoje, o Bar Vesúvio e o cabaré Bataclan com as “meninas” de Maria Machadão, recantos cantados e decantados em “Gabriela...” sobrevivem e atraem turistas, ainda que “infiéis” às funções, à época, sonhadas pelo romancista.
Aliás, em se tratando do Bataclan, acresce-se que, nos dias de hoje, parcela significativa de brasileiros, ao ouvir a expressão tão repetida, ao final de 2015, na mídia nacional e internacional, não consegue associá-la à Gabriela de Jorge Amado. A ligação imediata é com o atentado terrorista de proporções inimagináveis ocorridas em Paris, na sexta-feira, 13 de novembro de 2015. Porém, o Bataclan original é bem mais antigo do que o livro de JA, editado em 1958, bem depois do edifício original, arquitetura de inspiração chinesa, incluindo telhado em forma de pagode, e que data de 1865. O termo origina-se de ba-ta-clan, opereta de Jacques Offenbach e que, durante décadas e séculos, passa por significativas transformações e tragédias, incluindo um grande incêndio. No caso de Jorge Amado, a inspiração da palavra Bataclan (de incrível sonoridade) está em dar vazão aos amores e às paixões desatinadas do prostíbulo de Machadão.
Após sua experiência na “Academia dos Rebeldes”, aos 19 anos, ano 1931 e data de seu ingresso ao Curso de Direito, JA lança, como antes citado, seu primeiro romance, de fato, “O país do carnaval”, cujo protagonista, Paulo Rigger, após sete anos em Paris, surpreende-se com a alienação vivida pelos compatriotas no “Brasil do carnaval.” Conservando sua própria inquietação, o autor explora a contradição de Rigger: sente-se brasileiro em meio à folia, mas, paradoxalmente, a irresponsabilidade incontida das festividades fere sua sensibilidade, o que determina seu regresso à Europa.
Na verdade, ao longo de anos e décadas, J. Amado mantém-se fiel ao estilo literário do romance moderno, no caso, conhecido com tantas denominações anteriormente mencionadas, ênfase para “romance da terra.” Sua produção atravessa várias gerações pelo tom agradável da linguagem, apesar de considerado por alguns críticos, como áspera e agressiva. Transcreve diálogos entre suas personagens de forma realista, num processo de comunicação direta e sem disfarces, em que denuncia desigualdades sociais, preconceito racial e outras diferenças mais. Eis a passagem em que descreve a audácia de Zé Estique, figura do romance “Jubiabá”, protagonizado por Antônio Balduíno, um dos primeiros heróis negros da literatura brasileira.
Sabem o que ele faz? Ele entra em Itabunas montado, e quando passa por um graúdo (grifo nosso) salta e diz: abra o bolso que eu quero mijar dentro... Não tem homem que não abra... Zé [...] tem pontaria boa de verdade. Uma vez entrou em Itabunas e encontrou uma moça branca (grifo nosso), filha do intendente (grifo nosso). Sabe o que fez? – Moça, segura aqui que eu quero mijar. E era pra moça segurar nas coisas dele.
Apesar de não haver consenso, com certa frequência, segundo Vilarinho (2015), críticos literários distribuem a produção intelectual de Jorge Amado em três fases: (1) romances sobre a Bahia ou coletividades representativas da vida na capital Salvador e em outras cidades, em que a ficção se mescla com a aviltante realidade urbana. Exemplos: “Suor”, “O país do carnaval”, “Capitães de areia”; (2) romances atrelados à cultura do cacau. Exemplos: “Cacau” e “Terras do sem fim”; (3) crônicas de costumes, que favorecem o conhecimento acerca de valores e costumes das comunidades, incluindo segmentos distintos, como política, educação e comunicação. Exemplos: “Jubiabá”, “Mar morto” (agraciado pelo Prêmio Graça Aranha), “Gabriela, cravo e canela”, entre muitos outros que exaltam heróis ou vilões. No melhor estilo de crônica de costumes, “Dona Flor...”, ao descrever a perdição das noites baianas, com seus cassinos e cabarés, a culinária apimentada, os ritos do candomblé e o convívio para lá de amigável entre doutores, políticos, poetas, prostitutas e malandros exalta e, muito bem, a voluptuosidade de Dona Flor, que desfruta as delícias da fidelidade de um Teodoro comedido e apaixonado e, sem pudor, as loucuras proporcionadas por um Vadinho sem limites: é o Brasil entre trabalho e malandragem; seriedade e baderna; oração e prazer.
Sua produção literária alcança tal vigor que, ao falecer, Amado deixa livros publicados em quase 60 países, e, precisamente, em 49 idiomas: albanês, alemão, árabe, armênio, azeri, búlgaro, catalão, chinês, coreano, croata, dinamarquês, eslovaco, esloveno, espanhol, esperanto, estoniano, finlandês, francês, galego, georgiano, grego, guarani, hebraico, holandês, húngaro, iídiche, inglês, islandês, italiano, japonês, letão, lituano, macedônio, moldávio, mongol, norueguês, persa, polonês, romeno, russo, sérvio, sueco, tailandês, tcheco, turco, turcomano, ucraniano e vietnamita. Tudo isto, sem contar as edições em braile e em formato de audiolivros...
Aliás, se reconhecimentos são recompensas conferidas a quem se distingue em suas áreas de atuação, impossível negar quão grandiosa é a obra de Jorge Leal Amado de Faria, que costumava afirmar: “Que prêmio a mais pode querer um escritor cuja obra é lida em mais de 30 idiomas!” De qualquer forma, entre os muitos prêmios internacionais, a Academia Brasileira de Letras arrola: Prêmio Internacional Lênin (Moscou, 1951); Prêmio de Latinidade (Paris, 1971); Prêmio do Instituto Ítalo-Latino-Americano (Roma, 1976); Prêmio Risit d'Aur (Udine 1984); Prêmio Moinho (Roma, 1984); Prêmio Dimitrof de Literatura (Sofia, 1986); Prêmio Pablo Neruda, Associação de Escritores Soviéticos (Moscou, 1989); Prêmio Mundial Cino Del Duca da Fundação Simone e Cino Del Duca (Paris, 1990); e Prêmio Camões (Lisboa, 1995).
Ainda de acordo com a ABL, no Brasil: Prêmio Nacional de Romance do Instituto Nacional do Livro (1959); Prêmio Graça Aranha (1959); Prêmio Paula Brito (1959); Prêmio Jabuti (1959 e 1970); Prêmio Luísa Cláudio de Sousa, do Pen Club do Brasil (1959); Prêmio Carmen Dolores Barbosa (1959); Troféu Intelectual do Ano (1970); Prêmio Fernando Chinaglia (1982); Prêmio Nestlé de Literatura (1982); Prêmio Brasília de Literatura (1982); Prêmio Moinho Santista de Literatura (1984); prêmio Banco do Nordeste do Brasil S.A. de Literatura (1985).
Antes, durante 36 anos, de 1941 a 1977, os livros de JA foram editados pela Livraria Martins Editora, São Paulo, e, posteriormente, pela Distribuidora Record, RJ. Nos dias de hoje, os livros desse grande protagonista da literatura brasileira, Jorge Amado, escritor atemporal, que marcou nossa adolescência e a de meus filhos e, surpreendentemente, ainda é ponto de referência de meus netos, estão sendo publicados, desde 2008, pela Companhia das Letras, www.companhia dasletras.com.br. Segundo informações da casa editora, sua produção vem sendo relançada sob a coordenação de Alberto da Costa e Silva e Lilia Moritz Schwarcz, mediante apoio de primorosa equipe editorial, que vai além de cuidadosa revisão dos textos para incorporar nova linguagem gráfica para os livros.
Jorge Amado e a Fundação Casa de Jorge Amado
Casa de Jorge Amado e Exu: se for da paz, pode entrar
Aos 70 anos de idade e 50 de literatura, em 1982, Jorge Amado decide criar a Fundação Casa de Jorge Amado (FCJA), resistindo, bravamente, às investidas de instituições brasileiras ou estrangeiras, com destaque para a Penn State University para que o escritor doasse seu acervo para estudo e pesquisa. Graças à atitude de sua mulher e amada, que se opôs ferrenhamente à ideia, assegurando que autor e coleção pertencem, genuinamente, ao povo baiano, a Fundação está em Salvador, capital da Bahia. À época, ele diz, risonha e ironicamente:
Quando digo que Zélia é a responsável pela existência da Fundação Cultural estabelecida no Pelourinho, nascida da doação de meu acervo literário e que leva meu nome, digo a verdade. Não fosse Zélia, o acervo estaria a essa hora em universidade norte-americana.
No decorrer de quase meio século de coabitação, aprendi que não adianta discutir com Zélia, perco sempre, até agora, não ganhei uma.
A Fundação tem como guardião a figura de Exu, exigência do escritor, como consta de seu livro de memórias. Seus estudiosos são unânimes quando afirmam a importância do candomblé na vida de Jorge Amado. Religião essencialmente festiva e sem noção de pecado lhe permite desde sempre conhecimento advindo do contato próximo tanto com as tradições afro-brasileiras quanto com a história do Brasil, sobretudo, no que diz respeito à escravidão. Estes pontos são determinantes e elementos de identificação e de magia da obra de Amado que assume e leva adiante uma visão específica não só da Bahia, mas, também, do Brasil, a que trata como uma nação multirracial, multicolorida, multifestiva e de muitos deuses, dentre os quais, Exu reina como o orixá da comunicação.
[Exu] é sempre o primeiro a receber oferendas, já que se acredita que seja o responsável pela ligação entre mundo material e mundo espiritual. Alegre, brincalhão e generoso, é, também, ciumento – pode trancar os caminhos, provocar discussões e criar armadilhas aos que estão em falta com ele.
Não se trata de escolha aleatória. JA reconhece Exu como orixá, ou seja, como a personificação ou deificação das forças da natureza ou ancestral divinizado que, em vida, consegue vencer tais forças. Ao tempo em que assim procede, põe a força da comunicação em suas mãos e, simultaneamente, percebe Exu como bastante próximo ao ser humano em suas perfeições e imperfeições. Ao que parece (http://www.releituras.com/jorgeamado_bio.asp) e segundo Vilarinho (2015), ainda aos 15 anos, o menino Jorge Amado recebe a primeira titulação no candomblé. O pai de santo Procópio o nomeia ogã (protetor), o primeiro de seus inúmeros títulos recebidos na liturgia do candomblé:
Exu come tudo que a boca come, bebe cachaça, é um cavalheiro andante e um menino reinador. Gosta de balbúrdia, senhor dos caminhos [...], correio dos orixás, um capeta. Por tudo isso, sincretizaram-no com o diabo; em verdade ele é apenas o orixá em movimento, amigo de um bafafá, de uma confusão, mas, no fundo, excelente pessoa. De certa maneira é o Não onde só existe o Sim; o Contra em meio do a Favor; o intrépido e o invencível.
A proteção de Exu sempre foi valorizada ao extremo por Jorge Amado e seus familiares. Ao lado de títulos vindos de diferentes nações, sempre se orgulhava do título de Obá, posto civil que exercia no Ilê Axé Opô Afonjá, em sua terra natal. Afora isto, sem mencionar todas as honrarias, citamos via ABL algumas delas, como: Comendador da Ordem Andrés Bello (1977); Commandeur de l'Ordre des Arts et des Lettres (1979); Commandeur de la Légion d'Honneur (1984); Grão Mestre da Ordem do Rio Branco (1985); Comendador da Ordem do Congresso Nacional, Brasília (1986); Doutor Honoris Causa de universidades nacionais e estrangeiras, como Universidade Federal da Bahia (1980), Universita Degli Studi de Bari (1980), Universidade Federal do Ceará (1981) e Université Lumière Lyon 2 (1987).
Sob amparo incondicional de Exu, mensageiro dos deuses, a FCJA, em sua condição de organização não governamental sem fins lucrativos, visa, segundo palavras praticamente literais, preservar, pesquisar e divulgar os acervos bibliográficos e artísticos de Jorge Amado, além de incentivar e apoiar estudos e pesquisas sobre a vida do escritor e, sobretudo, aqueles que se referem aos movimentos culturais da Bahia. Sua missão é bastante ampla e dinâmica, acompanhando a vida da cidade. Sistematicamente, inclui a manutenção de fórum de debates sobre o universo baiano, dando evidência à luta contra as desigualdades raciais, sociais e econômicas das coletividades.
Ainda para manter acesa a chama da memória do escritor Jorge Amado, a Casa mantém exposição permanente de documentos, fotografias, livros, apropriações populares, adaptações e objetos que guardam alguma relação com a produção intelectual do escritor. Também estão expostos prêmios recebidos por ele e fotografias, quase sempre, a cargo de Zélia Gattai Amado, documentos estes que eternizam o dia a dia do autor e / ou do casal e / ou da família, a quem compete, agora, dar continuidade à memória dos pais. A FCJA abriga, também, em suas instalações, o café-teatro Zélia Gattai, ponto de encontro de artistas e intelectuais, além do Espaço Zélia, onde está exposição sobre a escritora paulista, e cujo conteúdo interativo abarca vídeos, fotos e objetos pessoais.
Aqui, mais uma vez, o escritor Jorge Amado se esmera na busca contínua por autenticidade e proximidade com sua gente. A Casa de Jorge Amado está onde teria que estar: no Pelourinho, local também de sua irrequieta infância ou adolescência. Não se trata de um local qualquer. A Praça José de Alencar, conhecida mundo afora como Largo do Pelourinho, recebe tal cognome porque, durante muitos e muitos anos, foi essencialmente, um local de suplício. Naquele momento histórico, em sua maioria, escravos, negros e quase desnudos, expõem, amarrados ao pelourinho sua miséria atroz aos transeuntes que passam. É o castigo à rebeldia aos senhores e à condenação prestes a ocorrer.
Jorge Amado mantém-se fiel aos seus compatriotas. Sem ações, mas, com palavras justas e cruas, grita ao mundo e em idiomas tão variados e em universos tão diversificados, a vida dolorida de seus irmãos brasileiros. Revelar, sempre, e nunca tardiamente, as muitas iniquidades sociais. A prova mais clara é que o Pelourinho está em diferentes publicações de JA, como ele afirma ipsis litteris:
O Pelourinho, onde correu o sangue dos escravos, é o território principal da parte da minha obra que tem como cenário a cidade do Salvador, a cidade da Bahia [...] Num dos casarões do Pelourinho transcorre a ação de “Suor”, nas suas ruas e ladeiras, no largo do Pelourinho, Antônio Balduíno lutou boxe e Mestre Pastinha lutou capoeira, viveram aventura e poesia os “Capitães de areia”, discutiram da vida e do amor Jesuíno Galo Doido, o negro Massu, Pede Vento, Curió e o Cabo Martim. Nas proximidades da igreja azul do Rosário dos Negros morreu Pedro Arcanjo e ressuscitou Quincas Berro d’Água [romance “A morte e a morte de Quincas Berro d´Água”], e do alto da sua escadaria Tereza Batista [romance “Tereza Batista cansada de guerra”], com o apoio de Castro Alves [...] comandou a greve das putas da Bahia [...]
Aliás, o mirante é o ponto mais elevado da Fundação, proporcionando vista panorâmica indescritível de sobrados e igrejas do Pelourinho e da Bahia de Todos os Santos. Serve, ainda, para locação temporária visando à realização de eventos, como palestras, cursos e reuniões de pequeno porte – são apenas 40 lugares.
Por outro lado, consciente da responsabilidade social de qualquer organização, a Fundação mantém atividades sistemáticas e algumas, em caráter esporádico. Entre as ações regulares, está a distribuição de obras do casal Jorge e Zélia, com o fim de estimular a leitura e disseminar sua produção dentre escolas, salas de leitura, bibliotecas e universidades. A segunda atividade prevista é a visita guiada mediante roteiros preestabelecidos para educandários e entidades congêneres. O roteiro inclui visita pela área de exposição permanente da Fundação: térreo, café-teatro Zélia Gattai; Espaço Zélia; e visita ao Mirante das Letras, com exibição de documentário da Rede Globo sobre Jorge Amado.
Jorge Amado e a Casa de Cultura Jorge Amado
Em seu traço característico de intelectual representativo de diferentes níveis comunicacionais, não importa se erudito ou popular, e que se posiciona, magistralmente, como referência na literatura produzida por brasilianeiros, concepção de Marques de Melo (2015), além da Fundação Casa de Jorge Amado, há ruas, avenidas, praças e outras homenagens direcionadas ao maior escritor do Estado, por diferentes municípios da Bahia e Brasil afora.
No caso de Ilhéus, como delineado, ainda que, com brevidade, na história de vida de Jorge Amado, é evidente sua ligação desde muito cedo com a cidade, até mesmo por ter nascido na vizinha Itabuna e para lá ter se mudado com um aninho. Consequentemente e por ter exaltado a beleza de Ilhéus sempre e sempre, é considerado “filho do coração.” O Poder Municipal transforma, então, a antiga moradia, erguida, em 1928, pelo “coronel” João Amado de Faria, na Casa de Cultura Jorge Amado: edificação em estilo neoclássico com 600 m2, cinco metros de pé direito, azulejos ingleses ao longo da varanda e piso de jacarandá.
Instituída desde 1988, a Casa abriga Fundação Cultural, Academia de Letras e Instituto Histórico de Ilhéus, com a chance de os visitantes terem acesso à exposição das capas de edições originais de algumas obras e a fotos antigas e, também, a diferentes objetos pessoais e da família. A mescla entre Ilhéus e a produção intelectual de J. Amado é tão intensa que além do cognome “Princesinha do sul...”, o município é agraciado por vários outros, à semelhança de “Berço de Jorge Amado”; “Terra da Gabriela” e “Capital do cacau.”
Jorge Amado: Academia Brasileira de Letras
A Academia Brasileira de Letras (ABL) é uma prestigiosa instituição cultural que data do final do século XIX, mantendo sempre sua sede na capital Rio de Janeiro, RJ. Na condição de academia literária nacional, a ABL objetiva o cultivo da língua e da literatura nacionais. Sua sessão inaugural, a 20 de julho de 1897, ocorre em sala do museu Pedagogium, à Rua do Passeio, com a presença de 16 intelectuais, sob a presidência do escritor Joaquim Maria Machado de Assis. No momento, entre os acadêmicos, estão Joaquim Nabuco [Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo], José Veríssimo Dias de Matos, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac ou, simplesmente, Olavo Bilac, Ruy Barbosa de Oliveira e Sílvio Romero [Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero].
Atualmente, integra 40 membros efetivos e perpétuos, além de 20 sócios correspondentes estrangeiros. No caso, Jorge Amado consta como o quinto ocupante da Cadeira n. 23, cujo patrono é José de Alencar e seu primeiro ocupante, Machado de Assis. Eleito em 6 de abril de 1961 como sucessor de Otávio Mangabeira, é recebido em posse pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior, no dia 17 de julho de 1961. Com seu falecimento, em 6 de agosto de 2001, é sucedido pela esposa e escritora Zélia Gattai, que parte aos céus, em Salvador, no dia 17 de maio de 2008. Como sexta acadêmica da cadeira 23, é sucedida por Luiz Paulo Horta, deixando ela mesma produção valiosa, com destaque para o livro de estreia, “Anarquistas, graças a Deus”, que, surpreendentemente, num país tão econômico com autores emergentes, atinge no prazo de 20 anos, a tiragem de mais de 200 mil exemplares vendidos em território nacional.
Jorge Amado: provocação no cinema e na televisão
Durante as décadas, a obra literária de Jorge Amado recebe adaptações para rádio, cinema, teatro e televisão, histórias em quadrinhos, além de ter sido tema de escolas de samba em várias localidades do Brasil, com o ápice, no carnaval de 2012, quando, no Rio de Janeiro, a Escola Imperatriz exalta o centenário do escritor em desfile na Sapucaí. São estratégias e recursos que transmutam as personagens do escritor baiano em parte indissociável da vida nacional, como Alves (2013) estuda, levadas, com maestria, para outras nações em continentes distintos, tais como: Alemanha, Argentina, a então Checoslováquia (hoje, República Checa e Eslováquia), Estados Unidos, França, Itália, Portugal, Polônia e Suécia.
Sem preocupação de esgotar a temática ou seguir ordem sequencial, registra-se que, exatamente em 1961, na extinta TV Tupi, “Gabriela, cravo e canela” ganha adaptação de Antônio Bulhões de Carvalho e direção de Maurício Sherman Nizenbaum. Na década seguinte, em 1975, nova adaptação de “Gabriela, cravo...”, por Walter George Durst, na Rede Globo de Televisão, que, bem mais adiante, em 2012, apresenta, com sucesso estrondoso, seu remake.
Quando o livro “Dona Flor e seus dois maridos” chega às telas do cinema, ano 1976, sob a direção de Bruno Barreto, alcança a maior bilheteria da história do cinema brasileiro, trazendo às salas de espetáculo mais de 10 milhões de espectadores. E mais, vai ao ar, desta vez em formato de minissérie, em 1988, por iniciativa da TV Globo, e adiante, chega aos teatros.
Em 1982 e 1987, estreiam, respectivamente, no teatro, “Capitães de areia” e “O gato Malhado e a andorinha Sinhá.” A Rede Bandeirantes, por sua vez, leva ao ar adaptação de “Capitães de areia”, 1989, ano em que a Rede Globo estreia a novela “Tieta do agreste.” “A morte e a morte de Quincas Berro d´Água” narra história da dupla (ou, talvez, tripla) morte do funcionário público e pai de família respeitável Joaquim Soares da Cunha, ao mesmo tempo, boêmio desgarrado conhecido entre os comparsas como Quincas Berro d’Água. As dúvidas que acompanham sua morte fazem sucesso além do impresso. Chega ao teatro e ao cinema, arrastando multidões de funcionários e, por que não, de desregrados, vadios e pândegos aos recintos. Trata-se de sátira menipeia, ou seja, que se caracteriza pelo estreito contato entre o mundo dos mortos e o universo dos vivos ou, pela crítica sarcástica a atitudes mentais ao invés de a certos indivíduos.
Jorge Amado: considerações para recomeçar...
Ninguém duvida: impossível esgotar o perfil, como narrativa biográfica ou não, de Jorge Leal Amado de Faria, por sua vasta e complexa obra, que sai dos livros para o cinema, a TV, o teatro e o rádio, como visto. Além disso, não se trata de escritor restrito a um único gênero literário. Jorge Amado passeia, com desenvoltura, tanto pelo romance (que prevalece) quanto pela poesia. Em 1938, em SE, lança, em edição limitada e sem fim comercial, o livro de poemas “A estrada do mar”, hoje, obra de difícil acesso.
Também investe em publicações de cunho biográfico. Em “ABC de Castro Alves”, ano 1941, disserta sobre a vida do poeta baiano Castro Alves, com quem mantém por anos a fio sólida relação de amizade pautada por visível identificação pessoal nas esferas política, ética e literária. No ano seguinte, em Buenos Aires, é a vez de “O cavaleiro da esperança”, biografia romanceada de Prestes com o intuito claro de ajudar na anistia do amigo comunista. Eis prova inequívoca e nunca refutada de seu envolvimento com a intelectualidade comunista brasileira desde a primeira metade do século passado, como antes referido.
Dentro do exposto até então – seu regionalismo e seu sentimento quase infinito de pertencimento ao Estado natal – Jorge Amado publica “Bahia de Todos os Santos”, originalmente em 1944, ano de lutas e discussões antifascistas. Coerente com os preceitos em que crê, o autor, ao tempo em que sublima a grandeza do Estado, da capital e de sua gente, não se isenta em denunciar as sérias mazelas sociais que envolvem o duro cotidiano do trabalhador braçal, os delitos dos pequenos “capitães da areia” e assim sucessivamente. Emociona, entristece e nos faz refletir sobre os dramas vivenciados pelos pequenos “capitães”, quando oscilam entre a lealdade ao bando e a descoberta às centelhas e não mais migalhas de amor que encontram aqui e ali, mas que são forçados a deixar lançados por terra, com o coração em chama:
[...] naquelas casas, se o acolhiam [...] era como cumprindo [...] obrigação fastidiosa. Os donos da casa evitavam se aproximar dele [...] Nunca tinham uma palavra boa para ele [...] Desta vez, estava sendo diferente [...] Não o deixaram na cozinha com seus molambos, não o puseram a dormir no quintal. Deram-lhe roupa, um quarto, comida na sala de jantar [...] Então os lábios de Sem-Pernas se descerraram e ele soluçou, chorou muito encostado ao peito de sua mãe. E enquanto a abraçava e se deixava beijar, soluçava porque a ia abandonar e, mais do que isso, a ia roubar. E ela talvez nunca soubesse que o Sem-Pernas sentia que ia furtar a si próprio também [...]
De: AMADO. Capitães de areia, 1937.
Prosseguindo, “O amor do soldado”, de 1944, é a única obra especialmente para teatro de JA. Escrita a pedido da grandiosa Bibi Ferreira, narra o atormentado romance entre Castro Alves e a atriz portuguesa Eugênia Câmara. A companhia de Bibi se dissolve antes de o texto chegar aos palcos. Porém, três anos depois, é publicado como livro, quando do centenário do nascimento de “O poeta dos escravos.” Enquanto isto, “O mundo da paz”, 1951, reúne impressões de viagens de quem foi, antes de tudo, um cidadão do mundo, não apenas por seu deslocamento por diferentes nações de diferentes continentes, mas, sobretudo, por sua diligência diante de problemas universais:
Trata-se de [...] relato de viagens através de várias regiões da União Soviética [União das Repúblicas Socialistas Soviéticas] e dos países das democracias populares com a finalidade de mostrar a febril atividade dos povos e governos para reparar os profundos danos causados pela devastadora II Grande Guerra. Exaltava o esforço pela implantação do socialismo bem como a política antiguerreira em prol da paz mundial.
DE: AMADO. O mundo da paz, 1951.
Jorge Amado não deixa de lado o público infanto-juvenil. Em 1976, edita “O gato Malhado e a andorinha Sinhá”, que conta o amor impossível entre o gato Malhado e a andorinha Sinhá, não apenas por ser ele um felino, mas, sobretudo, porque a amada está prometida ao majestoso Rouxinol. Mais adiante, o texto é adaptado, com sucesso, para o teatro e o balé. Na mesma linha, anos depois, em 1984, chega às crianças e aos adolescentes “A bola e o goleiro”, saga de Bilô-Bilô, goleiro de incompetência ímpar, o que justifica “n” apelidos que lhe causam vergonha e dor. Mão furada, Mão podre e Rei do galinheiro são alguns deles.
A fábula “O milagre dos pássaros”, de 1997, faz alusão implícita às relações conjugais e extraconjugais que se passam no interior do Nordeste, em particular, no município de Piranhas, Alagoas (AL), às margens do hoje tão conturbado rio São Francisco. O gênero contos é contemplado por Jorge Amado em “Do recente milagre dos pássaros”, de 1979; enquanto memórias estão presentes em “O menino grapiúna”, 1981 e em “Navegação de cabotagem”, de 1992.
Crônicas é a categorização atribuída a um dos últimos lançamentos de JA, “Hora da guerra”, de 2008. Trata-se de texto comemorativo do aniversário de um ano da coluna que o autor mantém, a cada dia, entre 1942 e 1945, no citado “O Imparcial”, jornal de Salvador. As 103 crônicas reunidas no livro revelam um escritor que esbraveja contra o nazismo e o fascismo nos continentes europeu, africano e asiático. De um lado, combate Adolf Hitler (Alemanha), Benito Mussolini (Itália), Francisco Franco (Espanha) e outros estrangeiros e brasileiros “odiosos.” De outro lado, enaltece o ditador russo Josef Stalin. O interessante é que, em nenhum momento, descuida de valores éticos universais, como liberdade, paz e respeito ao outro.
Resta, pois, o orgulho de manter, no cenário nacional, um escritor de talentos múltiplos e de atenção acurada frente aos problemas sociais, provocativo e revolucionário, mas, principalmente, coerente com seus ideais:
Avô, mesmo que a gente morra, é melhor morrer de repetição na mão, brigando com o coronel, que morrer em cima da terra, debaixo de relho, sem reagir. Mesmo que seja para morrer nós deve dividir essas terras, tomar elas para gente. Mesmo que seja um dia só que a gente tenha elas, paga a pena de morrer.
De: AMADO. Os subterrâneos da liberdade, 1954.
Fiel e desafiador aos comunicólogos que primam pelas coisas da terra, num tratado excelente – “Brasileirismos comunicacionais (ou) como erradicar o complexo do colonizado, neutralizando a síndrome do “vira-lata”” – José Marques de Melo (2015, p. 2) parece ter se inspirado em muitos estudiosos brasileiros. Ele diz: “brasilianistas da comunicação [são] os professores que focalizam o Brasil em aulas para diplomatas, empresários, evangelizadores ou profissionais da mídia, necessitando manter permanente diálogo com o mundo acadêmico do nosso país.” Eu acrescento: “brasilianistas da comunicação [são] literatos que, a exemplo de Jorge Amado, focalizam o Brasil em suas obras, não importa o gênero literário, o momento histórico de edição, o local – tudo é Brasil, tudo é, essencialmente, povo e cheiro brasileiro.”