Jânio da Silva Quadros
Jânio da Silva Quadros
Ruth Vianna
A biografia de Jânio da Silva Quadros foi escrita por muitos historiadores, jornalistas e cientistas políticos devido a seu perfil inusitado, polêmico, controverso e combatido cravado na História do Brasil, deixando marcas indeléveis pertencendo aos chamados brasileiros mal ditos da qual deu espaço para a História do país que viria a surgir nos anos subsequentes. Outros autores reconstroem a biografia de Jânio de forma sistematizada, analítica e cronológica. Já a intenção desse verbete é caracterizar a vasta atuação política e complexidade desse personagem que marcou a história do nosso país com o seu ir e vir.
“Ele conquistou força política propondo uma administração impessoal do Estado. Ele representaria a antítese de Getúlio Vargas ou de Adhemar de Barros, cujos apelos possuíam um notável conteúdo paternal. Porém, isso parece ser parcialmente correto. Por meio de cartas a ele enviadas durante as eleições presidenciais que disputou entre 1959 e 1960, é possível perceber que muitos de seus apoiadores o concebiam como um político capaz de defender relações sociais tradicionais. Alguns o invocaram para lutar contra especuladores que estocavam mercadorias em contexto inflacionário, outros o trataram como uma figura paternal ao pedir-lhe dinheiro, empregos públicos e outros tipos de favor .... sugiro que tais demandas podiam veicular manifestações políticas ou construir-se em determinadas expressões de cidadania” (Jefferson José Queller – Jânio Quadros, o Pai dos Pobres – Tradição e paternalismo na projeção do líder 1959-1960 - Revista Brasileira de Ciências Sociais Vol. 29 – N° 84, pgs. 120-207) e Tese de Doutorado Entre o mito e a propaganda política – 1959-1961, Campinas IFCH-Unicamp, 2008.
De acordo com o Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. (2ª Edição, Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2001) Jânio: “filho do médico e engenheiro agrônomo Gabriel Quadros, nasceu no estado de Mato Grosso (na porção que hoje corresponde ao Mato Grosso do Sul), mas criado em Curitiba, tendo feito os dois primeiros anos do ensino fundamental no Grupo Escolar Conselheiro Ezequiel da Silva Romero Bastos (hoje Colégio Estadual Conselheiro Zacarias), e estudado três anos, de 1927 a 1930, no Colégio Estadual do Paraná. Na capital paranaense foi colega de escola do futuro governador e ministro Ney Braga. Mudou-se para São Paulo, morando em bairros da Zona Norte, Santana e, depois, Vila Maria, que se converteria em seu mais fiel e cativo reduto eleitoral onde estudou no Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo para, depois, formar-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, abrindo banca na capital paulista em 1943, logo após a sua graduação. Foi professor de Geografia no tradicional Colégio Dante Alighieri e Colégio Vera Cruz, considerado excelente docente. Tempos depois, lecionou Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie”.
Orador carismático, fez sucesso entre os eleitores com sua pregação sobre a moralidade administrativa. Classificado por estudiosos como populista, nas campanhas eleitorais aparecia comendo sanduíches em botequins, utilizava bilhetinhos, frases de efeito, famosas e enfáticas expressando um português afinado e erudito “Bebo-o porque é líquido, se fosse sólido comê-lo-ia", "O PMDB é uma arca de Noé, sem Noé e sem a arca.", "Desinfeto porque nádegas indevidas se sentaram nela". "Mentira! O som não se propaga no vácuo!", entre outras do gênero, que o marcaram como um personagem diferenciado, contraditório e pernóstico. Ainda, críticos ferrenhos caracterizam JQ, em época de suas campanhas pelo Brasil como um sujeito que tinha em seu modo de vestir-se “de forma simples e desleixado, com cabelos compridos, óculos grossos e dizem ‘mostrando caspas nas costas’ para dar ares de gente do povo e pai do povo”. Não obstante, na época da campanha presidencial adotou uma imagem séria mais polida com terno e cabelo curto, dando ares de modernidade. Em sua primeira disputa pela prefeitura paulista, conquistou grande popularidade ao usar uma vassoura como símbolo da limpeza que prometia fazer nos órgãos públicos. Seu lema durante a campanha à presidência da República era “varrer a corrupção”.
O jovem político: uma carreira em ascensão
Retornando os passos desse personagem a Historia nos conta que, concorreu a vereador nas eleições de 1947, pela legenda do Partido Democrata Cristão (PDC), não obtendo votos suficientes para sua eleição. Porém, com a suspensão do registro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a posterior cassação dos mandatos de seus parlamentares, sobraram muitas cadeiras na Câmara Municipal de São Paulo, onde o PCB possuía a maior bancada. Jânio foi um dos suplentes chamados a preencher esses lugares em 1948. Seu trabalho como vereador foi decisivo para projetá-lo na vida política paulista.
Os historiadores registram também que seu prestígio cresceu tanto que em outubro de 1950 foi eleito deputado estadual. No exercício do mandato, percorreu todo o interior do estado, sempre insistindo na bandeira da moralização do serviço público e pedindo sugestões ao povo para resolver os problemas de cada região. A capital paulista assistiu, no início de 1953, à primeira campanha eleitoral para a prefeitura em 23 anos, desde a Revolução de 1930. Jânio foi lançado candidato do PDC em coligação com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), vencendo por larga margem as principais máquinas partidárias locais.
Prefeito e governador de São Paulo nos anos 54 e 55
Ele assumiu a prefeitura aos 36 anos, e um dos seus primeiros atos foi promover demissões em massa de funcionários, iniciando uma cruzada moralizadora que marcou sua gestão. Em 1954, desincompatibilizou-se do cargo para candidatar-se a governador do estado de São Paulo. Vencendo as eleições, foi empossado governador em 31 de janeiro de 1955. Desde o início do seu governo, procurou ampliar seu espaço político no nível nacional, estabelecendo contatos com o presidente João Café Filho. A aproximação entre ambos criou condições mais propícias para o governo paulista realizar um trabalho de recuperação financeira do estado.
Expansão econômica de São Paulo
A posse de Kubitschek em janeiro de 1956, começou a aplicação do Plano de Metas e São Paulo foi o estado mais beneficiado com a implantação de novas indústrias e a concentração de crédito mas, apesar disso, Jânio permaneceu alinhado com a oposição udenista em relação a aspectos importantes da política econômica vigente. A expansão econômica de São Paulo nesse período se refletiu no aumento da receita tributária do estado e na criação de condições favoráveis à diminuição do déficit financeiro herdado dos governos anteriores.
Presidente da República do Brasil
Eleito presidente da República do Brasil em 1960 com 48% dos votos, resultado que superou o recorde da época para o Brasil, tomou posse em janeiro de 1961. Renunciou sete meses depois, alegando sofrer pressão de "forças terríveis". Historiadores e cientistas políticos corroboram com a análise que se tem como mais aceita é a de que Jânio queria governar com maior autonomia e poderes em relação ao Congresso. Sob essa ótica, o ato da renúncia teria sido apenas uma manobra estratégica adotada pelo político, que acreditava que o pedido não seria aceito pela população, que o prezava, nem pelos conservadores, que temiam a posse do vice, João Goulart, considerado esquerdista. De acordo com a teoria, Jânio poderia ter usado a tentativa com a intenção de voltar mais forte.
Seu breve governo foi ambíguo, caracterizado por uma política interna conservadora de combate à inflação e por ações externas progressistas de aproximação com países de regime socialista e de defesa aberta de Cuba em seu confronto com os Estados Unidos. Verifica-se que a campanha para a sucessão presidencial de 1960 foi realizada em um quadro alterado pelas transformações econômicas e sociais ocorridas durante o governo de Kubitschek, cuja política desenvolvimentista provocou um grande crescimento das cidades. Em 1964, Jânio teve seus direitos políticos cassados pelo Regime Militar, como registra a História Contemporânea brasileira. Retornou à vida pública no fim da década de 70. Em 1982, perdeu a disputa pelo governo paulista, mas conseguiu sua última vitória política em 1985, quando foi eleito prefeito de São Paulo. Morreu em 16 de fevereiro de 1992, na capital paulista.
Governo presidencial de Jânio Quadros
Jânio governou apenas sete meses, pois renunciou em 25 de agosto de 1961. Mas tomou medidas polêmicas de pouca importância, sofreu duras críticas e não conseguiu estabelecer uma relação harmônica com o Congresso Nacional. Na economia sem um projeto eficiente para resolver os principais problemas econômicos do país, Jânio viu sua popularidade cair em função do aumento da crise econômica, caracterizada pelo crescimento da dívida externa e da inflação (heranças do governo JK, segundo ele). Desta forma, as medidas econômicas tomadas por seu governo surtiram pouco efeito.
Em relação a sua política interna buscou afastar-se das tradicionais forças políticas do país. Acredita que assim teria mais liberdade para governar, pois não teria compromissos com partidos políticos. Desta forma, as negociações com o Congresso Nacional ficaram difíceis e conflituosas. Algumas medidas polêmicas tomadas por Jânio as quais ficaram no imaginário popular:
- Proibição das brigas de galo
- Proibição do uso de biquínis nas praias
- Proibição do lança-perfume entre outras proibições hilárias.
Na Política externa “Jânio procurou romper com a dependência dos Estados Unidos. Aproximou-se dos movimentos nacionalistas e de esquerda. Buscou reaproximar diplomaticamente o Brasil da União Soviética. Enviou o vice-presidente, João Goulart, em missão oficial para a China (país que seguia o socialismo). Criticou a política dos Estados Unidos com relação a Cuba. Condecorou Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Esta política externa desagradou muitos setores conservadores da sociedade brasileira, políticos de direita e também as Forças Armadas do Brasil” (BENEVIDES, 1987).
O Ministério do governo presidencial de JQ contou com os seguintes nomes de Ministros: Gabriel Grün Moss (Aeronáutica), Romero Cabral da Costa (Agricultura), Brígido Fernandes Tinoco (Educação), Clemente Mariani Hamilton Prisco Paraíso (Fazenda), Odílio Denys (Guerra), Artur Bernardes Filho (Indústria e Comércio), Oscar Pedroso Horta (Justiça e Negócios Interiores), Sílvio Heck (Marinha), João Agripino (Minas e Energia), Afonso Arinos de Melo Franco (Ministério das Relações Exteriores), Edward Catete Pinheiro (Saúde), Francisco Carlos de Castro Neves (Trabalho e Emprego), Clóvis Pestana (Transportes).
JQ: Centralismo e as forças sindicais e camponesas
O centralismo adotado por Jânio teve consequências direta nos movimentos sociais. Do ponto de vista administrativo, tentou uma maior centralização de poderes com a adoção de uma mecânica de decisões que diminuísse o peso do Congresso Nacional e ampliasse a esfera de competência da Presidência. Com o fortalecimento do movimento sindical e das ligas camponesas, e o crescimento dos conflitos sociais, começou a ganhar corpo um movimento político a favor das chamadas reformas de base e de uma reorganização institucional. O próprio movimento sindical estabeleceu relação ambígua com o governo, apoiando a política externa, combatendo a econômica e divergindo, em sua maioria, da proposta de abolição do imposto sindical, sustentada pelo ministro Castro Neves.
Jânio Quadros era midiático sabia utilizar os meios de comunicação de massa da época: jornal, rádio e televisão. Em 13 de março de 1961 registra-se que “anunciou os rumos de sua política econômica em discurso transmitido por cadeia nacional de rádio e televisão. Anunciou também uma reforma cambial que atendeu aos interesses do setor exportador e dos credores internacionais, punindo fortemente os grupos nacionais que haviam contraído financiamento externo durante a vigência da taxa anterior. Apesar da melhoria obtida na situação orçamentária, a reforma cambial foi combatida pelos partidos de oposição. Entretanto, esse conjunto de medidas do governo Jânio foi muito bem recebido pelos credores estrangeiros e resultou em novos acordos financeiros” (Ed. FGV, 2001).
Política globalizada:
América Latina, América do Norte, Oriente, Ocidente e Ásia
No dia 7 de julho de 1961, “Jânio reuniu todo o seu ministério para estudar as reformas do imposto de renda e dos códigos penal, civil e de contabilidade. Enquanto desenvolvia uma política interna considerada conservadora e plenamente aceita pelos Estados Unidos, procurou afirmar no plano externo os princípios de uma política independente e aberta a relações com todos os países do mundo. Essa orientação provocou protestos de inúmeros setores e grupos que o apoiavam” (Ed. FGV, 2001).
Fato extravagante e curioso é que JQ levou adiante seu projeto de estabelecer relações com as nações do bloco socialista. Em maio, recebeu no Palácio do Planalto a primeira missão comercial da República Popular da China enviada ao Brasil. O mesmo fato se repetiu em julho com a missão soviética de boa vontade, que pretendia incrementar o intercâmbio comercial e cultural entre o Brasil e a União Soviética. As primeiras providências para o reatamento diplomático entre os dois países começaram a ser tomadas em 25 de julho, mas o processo só seria concluído durante o governo Goulart, enfatizam os historiadores.
Condecoração do ministro cubano Che Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul
As relações entre os países americanos e os Estados Unidos foram debatidas em agosto na reunião extraordinária do Conselho Interamericano Econômico e Social, conhecida como Conferência de Punta del Este. Ao fim da reunião, Ernesto Che Guevara, ministro da Economia de Cuba, viajou para a Argentina e, depois, para o Brasil a fim de agradecer a posição tomada por esses dois países para impedir a discussão de qualquer tema político na conferência. Jânio aproveitou o encontro com Guevara para pedir, com êxito, a libertação de 20 padres espanhóis presos em Cuba e discutir as possibilidades de intercâmbio comercial por meio dos países do Leste europeu. Em 18 de agosto condecorou o ministro cubano com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, o que provocou a indignação dos setores civis e militares mais conservadores.
Derrotas
Seu jeito polêmico e imprevisível causou “grave crise política. A posse de João Goulart, então em visita oficial à China, seria o desdobramento legal da renúncia de Jânio Quadros. No próprio dia 25 de agosto de 1961 ocorreram as primeiras manifestações populares. No dia 27 o presidente demissionário embarcou em um navio com destino a Londres, levando os chefes militares a cogitarem o envio de um barco de guerra para forçar seu desembarque em Salvador, onde tomaria um avião militar de volta a Brasília, plano que não foi concretizado. O Congresso aprovou o Ato Adicional promulgado em 3 de setembro, garantindo o mandato de Goulart até 31 de janeiro de 1966 em regime parlamentarista. Goulart foi finalmente empossado no dia 7 de setembro de 1961” (Ed. FGV, 2001).
Renúncia
Com baixa popularidade, enfrentando uma crise econômica, sem apoio de grande parte do legislativo e com o descontentamento dos militares, o governo Jânio entrou em colapso sete meses após seu início. A Carta renúncia de Jânio ao Congresso Nacional foi entregue ao Ministro da Justiça, que em sua síntese informava “as razões de seu ato” falando apenas que havia “forças terríveis” contra ele. Decidido pela renúncia Jânio Quadros, no dia 21 de agosto de 1961, assinou uma resolução que anulava as autorizações ilegais outorgadas a favor da empresa Hanna e restituía as jazidas de ferro de Minas Gerais à reserva nacional. Quatro dias depois, os ministros militares pressionaram a Quadros a renunciar. Para Auro de Moura Andrade em “Um Congresso contra o arbítrio: Diários e memória” (Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1985), as razões de seu ato, citado em sua carta renúncia, entregue ao ministro da Justiça Oscar Pedroso Horta, foi a perseguição de Carlos Lacerda a sua pessoa e governo:
“As práticas espúrias de Carlos Lacerda, governador do estado da Guanabara de se enredar com a política nacional, - conhecido como o derrubador de presidentes - percebendo que Jânio fugia ao controle das lideranças da UDN, mais uma vez se colocou como porta-voz da campanha contra um presidente legitimamente eleito pelo povo (como havia feito com relação a Getúlio Vargas e tentado, sem sucesso, com relação a Juscelino Kubitschek). Não tendo como acusar Jânio de corrupto, tática que usou contra seus dois antecessores, decidiu impingir-lhe a pecha de golpista”.
Em um discurso em 24 de agosto de 1961, transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, Lacerda denunciou uma suposta trama palaciana de Jânio e acusou seu ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, de tê-lo convidado a participar de um golpe de estado. Na tarde de 25 de agosto, Jânio Quadros, para espanto de toda a nação, anunciou sua renúncia, que foi prontamente aceita pelo Congresso Nacional. Especula-se que talvez Jânio não esperasse que sua carta-renúncia fosse efetivamente entregue ao Congresso. Pelo menos não a carta original, assinada, com valor de documento.
A “renúncia se deu um dia após Carlos Lacerda discursar em cadeia nacional de rádio e televisão acusando-o de golpista e relatando um possível plano para um golpe de estado. Na época especulou-se que, na verdade, o presidente pretendia apenas causar uma comoção popular e em seguida voltar ao cargo aclamado pela população, principalmente porque ele já havia renunciado a outros cargos antes. Comentava-se que ele costumava recorrer a cartas de renúncia em momentos de tensão, mas que não eram uma vontade verdadeira. Em entrevista concedida em 1992, Jânio Quadros confirmou que a sua renúncia era um blefe” (Ed. FGV, 2001). Leia a íntegra da carta de renúncia:
"Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.
Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração.
Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.
Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida nacional. A mim não falta a coragem da renúncia.
Saio com um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo lutaram e me sustentaram dentro e fora do governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade. O apelo é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patrícios, para todos e de todos para cada um.
Somente assim seremos dignos deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos de nossa herança e da nossa predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria.
(Brasília, 25 de agosto de 1961. Jânio Quadros)."
Militares assumem o poder por 21 anos
“Jânio retornou da Europa a tempo de disputar o governo paulista e foi lançado pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN) e pelo Movimento Trabalhista Renovador (MTR). Entretanto, não conseguiu unir novamente as forças que o haviam apoiado na eleição anterior, sofrendo sua primeira derrota eleitoral e ficando em posição relativamente marginal à vida política nacional até a eclosão do movimento político-militar que derrubou o governo Goulart em 31 de março de 1964” (Ed. FGV, 2001). Teve seus direitos políticos cassados em 10 de abril de 1964 por decisão do Comando Supremo da Revolução, passando, então, a dedicar-se a atividades privadas.
Nesse período, participou da vida política de forma moderada e indireta, acompanhando candidatos e distribuindo declarações à imprensa, assinadas por sua esposa Eloá Quadros com quem teve uma filha, Dirce Tutu Quadros, que também enveredou pela política, participando da fundação do PSDB, sendo deputada federal (1986-1988) e participando da Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição de 1988. Com a política de distensão implantada pelo presidente Ernesto Geisel a partir de 1974, Jânio voltou a aparecer com alguma frequência no noticiário político. Ao longo de 1977 e 1978, defendeu a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte que promovesse a institucionalização do movimento de 1964 e implantasse uma "democracia forte".
O popular rádio jornal daquela época, o Repórter Esso, em edição extraordinária, no dia 25 de agosto, atribuiu a renúncia a "forças ocultas", frase que Jânio não usou, mas que entrou para a história do Brasil e que muito irritava Jânio, quando perguntado sobre ela. Historiadores recordam que Cláudio Lembo, que foi Secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura durante o segundo mandato de Jânio e recorda dois pedidos de renúncia que Jânio lhe entregou - e preferiu guardar no bolso. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo disse Lembo: “Ele fazia isso em momentos de tensão ou muito cansaço, ou de stress, como os jovens dizem hoje. Era aquele cansaço da luta política, de quem diz 'vou embora'. Mas não era para valer”.
Lembo fala ainda que “era voz corrente, na ocasião, que os congressistas não dariam posse ao vice-presidente, João Goulart, cuja fama de esquerdista agravou-se após Jânio tê-lo enviado habilmente em missão comercial e diplomática à China. Essa fama de esquerdista fora atribuída a Jango quando ele ainda exercia o cargo de ministro do Trabalho no governo democrático de Getúlio Vargas (1951-1954), durante o qual aumentou-se o salário mínimo a 100% e promoveu-se reforma agrária – atitudes essas consideradas suficientemente ‘comunistas’ pelos setores conservadores na época”.
No parecer de muitos autores existe o lado especulativo de que Jânio estaria certo de que surgiriam fortes manifestações populares contra sua renúncia, com o povo clamando nas ruas por sua volta ao poder - como ocorreu com Charles de Gaulle. Por isso Jânio permaneceu por horas aguardando dentro do avião que o levaria de Brasília a São Paulo. Tudo indica, entretanto, que algum tipo de arranjo foi feito, nos bastidores da política, para impedir que a população soubesse em que local Jânio se encontrava nos momentos mais cruciais - imediatamente após a divulgação de sua carta de renúncia.
Jânio Quadros alegou a pressão de forças terríveis que o obrigavam a renunciar, forças que nunca chegou a identificar. Verifica-se que com sua renúncia abriu-se uma crise, pois os ministros militares vetavam o nome de Goulart. Assumiu provisoriamente Ranieri Mazzili, enquanto acontecia a Campanha da Legalidade; nesta campanha destacou-se Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango. Com a adoção do regime parlamentarista, e consequente redução dos poderes presidenciais, finalmente os militares aceitaram que Goulart assumisse. O primeiro Primeiro-Ministro do Brasil foi Tancredo Neves. A experiência parlamentarista, contudo, foi revogada por um plebiscito em 6 de janeiro de 1963, depois de também terem sido primeiros-ministros Brochado da Rocha e Hermes Lima.
Exilio: Cassação dos direitos políticos e regresso
No ano seguinte à renúncia foi candidato a governador de São Paulo sendo derrotado por seu velho desafeto Ademar de Barros. Com a eclosão do Regime Militar de 1964 foi um dos três ex-presidentes a ter seus direitos políticos cassados ao lado de João Goulart e Juscelino Kubitschek. Após fazer declarações à imprensa em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, em julho de 1968, o ex-presidente foi detido pelo Exército Brasileiro, por ordem do então Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva. Ficando confinado por 120 dias no Hotel Santa Mônica em Corumbá onde encontrou com Lacerda que ofereceu sua casa há 200 metros do hotel. Sua presença, em Corumbá que fica no Pantanal sul-mato-grossense, na fronteira com a Bolívia, movimentou a economia local durante sua “estância” forçada, pois muitos políticos vinham de longe para dialogar com o ex-presidente.
Jânio Quadros e o PTB paulista
Com o início da organização de novos partidos políticos no segundo semestre de 1979, manifestou simpatia pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), no qual ingressou oficialmente em 15 de novembro de 1980, sendo lançado candidato ao governo paulista na convenção realizada pela agremiação em abril de 1981. Com a divulgação da informação de que o governo proibiria coligações partidárias nas eleições de 1982, publicou um manifesto em 26 de junho de 1981, comunicando seu afastamento do PTB e defendendo a fusão de todos os partidos de oposição.
Depois de recusar convites dos partidos Democrático Trabalhista (PDT) liderado por Leonel Brizola e Democrático Republicano (PDR), que não chegou a obter registro definitivo na Justiça Eleitoral, Jânio se filiou novamente ao PTB em 3 de novembro e, no fim desse mês, anunciou que concorreria à Câmara dos Deputados e não ao governo paulista. Entretanto, voltou atrás dessa decisão e aceitou reassumir sua candidatura nos moldes anteriores. No pleito de novembro de 1982, concorreu ao governo de São Paulo na legenda do PTB, sofrendo aí a segunda derrota eleitoral em toda sua carreira política. Recuperou os direitos políticos em 1974, mas manteve-se afastado das urnas inclusive nas eleições legislativas de 1978, ano em que seus simpatizantes (agrupados sob o denominado "Movimento Popular Jânio Quadros") o levaram a visitar o bairro paulistano de Vila Maria, tradicional reduto "janista". Em novembro do ano seguinte manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo Maluf ao governo do estado de São Paulo filiando-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (agora uma agremiação conservadora de direita, tendo pouca relação com a antiga legenda de Getúlio e Jango) tão logo foi efetivada a reforma partidária.
1986: JQ novamente prefeito de São Paulo
JQ após a renúncia como presidente do Brasil, exilio e confinamento foi anistiado e deu uma reviravolta em sua carreira política: em 1985 sua candidatura a Prefeito de São Paulo pela segunda vez e venceu as eleições recebecendo o cargo de Mário Covas, um ex-janista que havia se tornado uma das principais lideranças do PMDB.
A vitória de Jânio Quadros contrariou os prognósticos dos institutos de pesquisa e contradisse as avaliações segundo as quais o ex-presidente era tido como um nome ‘ultrapassado’ no novo contexto da política brasileira emergente do processo de redemocratização e da campanha das Diretas Já. Fernando Henrique Cardoso, o então primeiro colocado nas pesquisas, chegou a tirar uma foto, publicada pela Revista Veja, sentado na cadeira de prefeito de São Paulo. Tal fato levou Jânio a tomar posse com um tubo de inseticida nas mãos, declarando “estou desinfetando a poltrona porque nádegas indevidas a usaram”.
Em sua última empreitada político-administrativa repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política). Ainda, utilizando-se de atos conservadores proibiu jogos de sunga e o uso de biquínis fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde era localizada a então sede da prefeitura), com frequência mandava publicar no Diário Oficial do município os célebres bilhetinhos enviados aos seus assessores. Obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alguns alunos tidos como homossexuais, aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, por considerá-lo desrespeitoso à fé cristã.
Um prefeito mediático e de grandes realizações
Jânio sempre teve a facilidade de se fazer noticia mesmo a imprensa não querendo falar dele. Era um político de comunicação de massas, pois ao mesmo tempo em que criava factoides midiáticos, investia na instalação de serviços de luz em cerca de 91% da área habitada da cidade, na pavimentação de aproximadamente 700 quilômetros de vias públicas, na abertura dos túneis da Avenida Juscelino Kubitschek, na inauguração do Corredor Santo Amaro e na reforma do Vale do Anhangabaú.
Restaurou doze bibliotecas públicas, o Teatro Municipal e mais três teatros, além de ter inaugurado o Teatro Cacilda Becker. Seu programa também incluiu ações nos setores da limpeza pública, do saneamento básico (através da canalização de dois córregos), da habitação e da saúde (com a inauguração de dois hospitais e a recuperação de outros seis, fora cinquenta e oito unidades médicas). Concebeu pessoalmente o sistema viário de múltiplos túneis, conectores de diversas avenidas vitais de São Paulo, a cujas caríssimas, complexas e demoradas obras deu início ainda em seu mandato. Após terem sido interrompidas por Luiza Erundina, tais obras foram retomadas e concluídas na gestão de Paulo Maluf. O nome Túnel Presidente Jânio Quadros, por exemplo, foi dado em homenagem ao ex-presidente que havia feito a concorrência da obra.
Desgaste político
Criou a Guarda Civil Metropolitana para, segundo ele, reforçar o policiamento na cidade, mas seus adversários o criticaram duramente por, na visão deles, utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão. Ao longo de seu mandato afastou-se diversas vezes do cargo para cuidar tanto de sua saúde, já abalada, quanto da de sua mulher, Eloá Quadros (falecida em 1990). Ao fim da gestão encontrava-se desgastado perante a opinião pública: apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração.
Há o relato de que Jânio Quadros era um Ciclotímico e deixara o PTB sete meses depois de sua filiação e tentou ingressar no PMDB, tendo sua entrada indeferida pela executiva nacional do partido, voltando assim ao PTB, legenda pela qual foi candidato a governador de São Paulo em 1982, num pleito onde o vitorioso foi Franco Montoro, seu antigo correligionário no PDC. Jânio terminou a eleição na terceira posição, atrás ainda do malufista Reynaldo de Barros. Por ocasião do processo sucessório do presidente João Figueiredo, declarou apoio ao candidato da oposição, Tancredo de Almeida Neves.
Saúde o impede de concorrer outra vez a Presidência em 1989
Sua saúde frágil o impediu de concorrer à Presidência da República em 1989 (teria recebido inclusive um convite do PSD, que depois lançaria o nome de Ronaldo Caiado) e por conta desse fato hipotecou, no segundo turno do pleito, apoio ao ascendente Fernando Collor, cujo discurso e práticas políticas eram similares às suas. No mesmo ano reuniu a imprensa para anunciar a aposentadoria definitiva da política. A morte de Eloá, vítima de câncer, em novembro de 1990, agravou seu estado de saúde. Morreu em São Paulo, internado no Hospital Israelita Albert Einstein, em 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo, vítima de três derrames cerebrais
Obras publicadas
Jânio era portador de um português impecável publicou obras literárias e enciclopédia: Curso prático da língua portuguesa e sua literatura (1966), História do povo brasileiro (1967) em co-autoria com Afonso Arinos, Os Dois Mundos das Três Américas (1972), Novo Dicionário Prático da Língua Portuguesa (1976) e Quinze Contos (1983).
Bibliografia
ABREU, Alzira A. de et al. (Org.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. (Rio de Janeiro. Editora FGV, 2001).
ARAÚJO, Braz J. de. A política externa no governo de Jânio Quadros. In: ALBUQUERQUE, José A. G. (Org.). Sessenta anos de política externa brasileira 1930-1990. (São Paulo, Ed. Cultura, 2000).
BENEVIDES, Maria Victória M. O PTB e o trabalhismo: partido e sindicato em São Paulo 1945-1964. (São Paulo, Ed. Brasiliense, 1987).
BOTTO, Almirante Carlos P. A desastrada política exterior do presidente Jânio Quadros. (Petrópolis, Ed. Vozes, 1961).
CABRAL, Castilho. Tempos de Jânio e outros tempos. (Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1962).
CASTRO, Viriato de. O fenômeno Jânio Quadros. (São Paulo, Ed. José Viriato de Castro, 1959).
CHAIA, Vera. A liderança política de Jânio Quadros 1947-1990. (Ibitinga, Ed. Humanidades, 1991). & MAGALHÃES, Felipe S. Varrendo Jânio: trajetória parlamentar 1947-1953. (1998). 202 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo, 1998).
QUADROS NETO, Jânio e GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Jânio Quadros - Memorial à História do Brasil. (São Paulo, Ed. RIDEEL, 1996).
QUELER, Jefferson J. Entre o mito e a propaganda política: Jânio Quadros e sua imagem pública (1959-1961). 2008. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas (Campinas, 2008) & SOUSA, Pompeu de. Bilhetinhos a Jânio. (Brasília, Cegraf, 1987).
NAB – (Nota de Apresentação biobibliográfica mínimo 60 e máximo 200 palavras)
Meu gosto pela leitura veio de minha mãe que até hoje aos 86 anos nunca parou de ler. Desde cedo me apaixonei pela leitura e queria ser jornalista e educadora. Na UMESP (graduação), na ECA-USP (mestrado) e UAB (doutorado e pós-doc) encontrei vários mestres que me incentivaram seguir adiante. Iniciei como docente em São Paulo, concursada ingressei na UFMT e UFMS onde implementamos o Programa de Mestrado em conjunto com a UAB-Barcelona (Espanha). As obras que publiquei entre outras são: Informatização da imprensa brasileira (Ed. Loyola,1992); La palabra, la imagen y el sonido en los informativos televisivos de Brasil y España: estudio comparativo y análisis del lenguaje audiovisual, textual y narrativo (Ed. UAB, 2000); Som – ambiente: o grande esquecido nos estudos específicos da comunicação audiovisual. (Estudo casuístico dos telejornais brasileiros e espanhóis 1995-2000); Obra aberta: O jornalismo brasileiro sob as lentes críticas e 'cinematográficas' de José Marques de Melo (PJ:Br-ECA-USP, 2003); O menosprezo ao som na informação televisiva (PJ: Br, 2003); O ocultar mostrando do telejornalismo na era digital: retrospectiva da communication research audiovisual (PJ:Br, 2005); El papel de la inclusión comunicativa sobre el potencial de desarrollo (ECU- Alicante, Espanha, 2011) entre outras publicações e alguns vídeo documentários sobre Audiovisual.