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Hipólito José da Costa

por José Marques de Melo

Hipólito José da Costa Pereira Mendonça Furtado, filho de Félix da Costa Mendonça Furtado, brasileiro de Saquarema (RJ), nasceu , em 1774, na Colônia do Sacramento, território hoje pertencente ao Uruguai.

Situada em frente a Buenos Aires, foi fundada pelos portugueses em 1680, mas em 1777 os colonizadores espanhóis incorporaram Sacramento aos seus domínios, tendo em vista o acordo selado no Tratado de Santo Ildefonso.

Raízes brasileiras

Embora nascido em território luso-brasileiro, Hipólito foi criado em terras gaúchas. Sua família se estabeleceu em Pelotas, mas Hipólito viveu em Porto Alegre, onde fez os estudos básicos, transferindo-se para Portugal aos 19 anos, onde se formou. Egresso da Universidade de Coimbra, logo foi recrutado para prestar serviços à diplomacia portuguesa, radicando-se em Lisboa e depois em Londres, onde permaneceu até o fim da vida.  Embora alimentasse o desejo de retornar ao Brasil, essa meta foi indefinidamente postergada. Tornou-se, desta maneira, o primeiro Brasilianista, pois toda a sua atividade intelectual destinou-se a conhecer o Brasil e explicar aos britânicos “muy amigos” a natureza da sociedade que aqui se forjava com a emigração repentinamente planejada da Corte Lusitana para sua colônia americana.

Hipólito também explicava o Brasil aos brasileiros, principalmente à diáspora européia, acantonada no território inglês, depois que Napoleão invadiu a Península Ibérica e o Príncipe Regente de Portugal toma duas providências sincronizadas: abre os portos do Brasil as nações “amigas” e eleva a Colônia à condição de Reino Unido a Portugal.  Desta maneira, o jornal de Hipólito inclui a elite brasileira em sua audiência, contrabandeado pelos navios das “nações amigas”. Londres se converte em fonte de referência privilegiada do estamento superior da nossa sociedade, que logo aprendeu a exercitar simulações retóricas do tipo “pra inglês ver”.

Hipólito José da Costa inaugura portanto o Brasileirismo Comunicacional, perfilando papéis sociais que o enquadram no bloco da dissimulação, publicando um jornal “inglês” (impresso na Inglaterra), explicando o Brasil que ele conhecera na mocidade, codificado em estilo peculiar à “última flor do Lácio”.  Revisando cuidadosamente o itinerário do editor do Correio Brasiliense com a ironia sugerida por Antonio Cândido em seu clássico ensaio sobre a “dialética da malandragem” não é difícil enquadrá-lo na categoria dos que perfilaram papéis no “adiantado da hora” (como disse o poeta Drumond), mas também pertencentes à confraria dos “homens que falam javanês” (figurantes inesquecíveis da literatura de Lima Barreto) no pais ilustrado por governantes enfileirados na galeria dos personagens andradeanos, seja o que ostenta caráter macunaímico (Mário), seja o que duvida da sua identidade: tupi or not tupi (Oswald).

Brasilianismo

Seus biógrafos são unânimes em afirmar que a busca de uma fundamentação científico-tecnológica fora motivada pelo desejo de, regressando ao Brasil, dedicar-se à agricultura, otimizando a propriedade rural que a família possuía no hoje município gaúcho de Pelotas. Ilação dessa natureza é sugerida claramente por Mecenas Dourado (p. 46) “Começando os estudos na Universidade de Coimbra pela Faculdade de Filosofia, é provável que Hipólito tivesse em vista a futura atividade agrícola a que se iria dedicar, voltando ao Brasil e associando-se ao pai e ao tio na exploração das terras que possuíam no Rio Grande. E é de ver como, alguns anos mais tarde, depois de uma agitada vida urbana de jornalista, na maior metrópole do mundo, ele nos edifica, ao escrever ao irmão, dizendo que este bem sabia a maior inclinação que ele sempre teve pela cultura das terras.”

Compromisso lusitano

Seus planos de retorno à terra de origem foram sendo postergados e afinal nunca se realizaram. Mas a formação acadêmica adquirida conferiu-lhe competência para a primeira atividade profissional que iria realizar, credenciando-o depois ao engajamento como funcionário do governo português. Foi no desempenho da missão diplomática nos Estados Unidos da América, a ele atribuída pelo Conde de Linhares, que Hipólito da Costa realizou sua precoce incursão como repórter.Durante o ano de 1801 ele se dedica a prestar contas de sua missão na América do Norte. Em seguida, assume o cargo de diretor literário da Impressão Régia de Lisboa, em função do qual viaja a Londres, onde mantém ligações com a Maçonaria (enraizadas nos contatos prévios durante a viagem a Filadélfia).

Rizzini explica que os “negócios particulares” capazes de justificar sua viagem à Inglaterra em 1802 “eram os negócios maçônicos”. Sua hipótese era a seguinte: Hipólito “ia advogar a filiação das incipientes lojas maçônicas portuguesas (...) ao Grande Oriente de Londres. Da incumbência não deu contas e a ela nunca se referiu”. (RIZZINI, Carlos – Hipólito da Costa e o Correio Braziliense, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1957, p. 7). Mas o certo é que ao regressar de Londres seria denunciado, preso e perseguido. Ele permaneceu nos cárceres da Inquisição de 1803 a 1805, quando se evadiu, optando pelo caminho do exílio na Inglaterra. Ali permaneceu até a morte, em 11 de setembro de 1823, nove dias antes de ser nomeado Cônsul Geral do Império Brasileiro da Inglaterra.

Formação coimbrã

Aos 19 anos de idade, Hipólito da Costa já estava matriculado na Universidade de Coimbra, estudando Leis e Filosofia. (CASTRO, 1985, p. 11-12)
Ao se matricular, em 1792, Hipólito seria beneficiário da reforma curricular feita pela Universidade de Coimbra na sua Faculdade de Filosofia, neutralizando o viés jurídico-filosófico que a dominava até então, para dar-lhe uma orientação moderna, de natureza científico-naturalista. Tanto assim que ele estudaria as novas disciplinares introduzidas: Agricultura, Zoologia, Mineralogia, Física, Química e Metalurgia. Além da tradicional formação clássico-humanística, ele enveredaria por novas dimensões do saber, adquirindo um embasamento técnico-científico. Só depois ele se dedicaria ao estudo do Direito, diplomando-se em 1798. (DOURADO, 1957, p. 45)

Essa formação acadêmica conferiu-lhe competência para a primeira atividade profissional que iria realizar, nos Estados Unidos da América. A pedido do Conde de Linhares, Hipólito da Costa realizou sua precoce incursão como repórter. Essa faceta mereceu registro preciso e sumário do seu principal biógrafo.
“Mal saído dos cueiros universitários, em 1798, aos 24 anos, recebeu de D. Rodrigo, então ministro da Marinha e do Ultramar, o encargo de estudar na República Norte-Americana, para aplicação no Brasil, a cultura de árvores nativas, do cânhamo, tabaco, algodão, cana, índigo, arroz e, principalmente, a da cochinilha; a formação de pastagens; a construção de pontes, moinhos e engenhos d’água; a mineração; a pesca da baleia e o preparo do peixe salgado. Do encargo, desempenhou-se acima do esperável de bacharel novato, conforme atestam os documentos que a respeito redigiu. Simultaneamente, o Ministro o teria incumbido de outros estudos...” (RIZZINI, 1957, p. 4)

Aventura americana

O principal mérito atribuído ao jornalista Hipólito José da Costa Pereira consiste na sua atuação como editor do mensário “Correio Braziliense” (1808-1822). Trata-se de publicação essencialmente política, mas que abriu espaço para a informação de natureza científica e cultural, quase sempre divulgando fatos e idéias gerados na Europa e considerados relevantes pelo jornalista para aplicação no Brasil.

Antes disso, porém, ele realizou a missão diplomática a serviço da Coroa Portuguesa (1798-1800), com a finalidade de observar a economia agrícola norte-americana, discernindo quais inventos científicos e inovações tecnológicas eram factíveis de transplantação para o Brasil, então Colônia de Portugal na América. A memória dessa missão foi preservada sob a forma de Diário de Viagem, prenunciando a vocação do repórter que o autor desenvolveria dez anos depois em seu periódico.

O ingresso efetivo de Hipólito da Costa no mundo da imprensa deu-se no ano de 1801, quando retornou da América do Norte, prestando conta de sua missão ao Conde de Linhares. Então Ministro da Marinha e do Ultramar, ele viria a seria Ministro de D. João VI no Brasil. (CASTRO, Terezinha de - Hipólito da Costa - Idéias e Ideais, 2a. ed., Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército 1985, p. 12).

Essa incursão pioneira está assim registrada pelo principal biógrafo de Hipólito da Costa:
“Tornado a Lisboa, em fins de 1800, Hipólito trazia o plano formado de regressar ao Brasil. (...) Não obstante, determinando o contrário, deixou-se ficar em Lisboa, e no ano seguinte, ao incorporar-se à Casa Literária do Arco do Cego à Impressão Régia, ocupou um dos lugares de diretor literário, ao lado de Conceição Veloso, continuando a perceber a pensão que lhe fora abonada desde a ida para Filadélfia. Nesse cargo traduziu e publicou: Ensaios políticos econômicos e filosóficos de Benjamin, conde Rumford; História breve e autêntica do Banco de Inglaterra, de E. F. Thomas Fortune; e Memória sobre a broncelose ou papo da América Setentrional, de Benjamin Smith Berthou. Publicou também dois opúsculos originais: Descrição da Árvore Açucareira e da sua utilidade e cultura e Descrição de uma máquina para tocar a bomba a bordo dos navios sem o trabalho de homens. Em março ou abril de 1802 partiu Hipólito para Londres, a negócios particulares e encarregado por D. Rodrigo de adquirir livros para a biblioteca Pública e máquinas e objetos para a Impressão Régia.” (RIZZINI, Carlos - Hipólito da Costa e o Correio Braziliense, São Paulo, Companhia Editora Nacional 1957, p. 6/7)

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