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Eny Cezarino

Por Valquíria Aparecida Passos Kneipp

 Histórias da maior e mais odiada cafetina do Brasil

 Valquíria Aparecida Passos Kneipp

 

1. Resquícios da cafetina

Ousada, irreverente, empreendedora, honesta, carismática, inteligente, caridosa, e vaidosa, mas ao mesmo tempo odiada e discriminada pela profissão que escolheu – a mais antiga do mundo - prostituta. Uma mulher que deixou marcas e histórias por onde passou.  A trajetória desta brasileira, que foi o pivô desta ambiguidade entre o bem e o mau, se mistura com a própria história do interior de São Paulo, da cidade de Bauru e do Brasil, um país que passou pelo subdesenvolvimento e depois saltou para o grupo dos BRICS[1], sendo considerado hoje um país emergente. O título deste artigo também faz referência ao pavor que as pessoas tinham, ou ainda tem ao serem questionadas sobre a vida de uma cafetina[2]. Em matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em 2002, o título revela um pouco da má fama que a protagonista deste relato adquiriu ao longo da vida – “O pecado morava na ‘casa da Eny’” [3], no corpo da matéria algumas informações nos dão o contexto local e a relação da cidade com cafetina. “Não foi Eny Cezarino quem levou o pecado a Bauru, no interior de São Paulo. Mas foi ela quem fez do prazer proibido uma inesquecível referência da cidade ao instalar lá seu grande bordel” [4].

E para resgatar um pouco da trajetória desta brasileira ambígua, que faz parte da história do imaginário de parte da população interior de São Paulo recorremos a um instrumental metodológico baseado em pesquisa bibliográfica, documental, videográfica, história oral, memória e entrevistas.

A história oral apresentou-se como um recurso para descobrir informações por meio das pessoas dispostas a falar sobre o assunto, além disso, é um recurso moderno usado para a elaboração de documentos, arquivamento de estudos referentes à experiência social de pessoas e grupos. Ela é sempre uma história do “tempo presente” e também reconhecida como “história viva (BOM MEHY, 2000, 17).

Mas não se tratou de um projeto propriamente dito em história oral que se desenvolveu durante esta pesquisa. Foram observados aspectos relevantes e que atendessem aos objetivos da pesquisa. Um dos aspectos importantes foi a elaboração de uma pergunta corte, “É uma questão que perpassa todas as entrevistas e que deve referir a comunidade de destino que marca a identidade do grupo analisado, quase sempre a pergunta de corte vem no final da entrevista” (BOM MEHY, 2000, 18). No caso desta pesquisa a pergunta foi: o que você pode contar sobre a cafetina Eny Cezarino?

A memória apresentou-se como propriedade fundamental de conservar certas informações. Para Le Goff, “remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas” (página 419). É por essa propriedade de conservação que nos valemos da memória para resgatar parte da história da personagem desta pesquisa. Le Goff (APUD Leroi-Gouhan, 1964-1965) esclarece que não se trata de uma propriedade da inteligência, mas a base seja ela qual for sobre a qual se inscrevem as concatenações de atos. O autor também apresenta três possibilidades de memória, ‘memória específica’ para definir a fixação dos comportamentos de espécies animais, de uma memória ‘étnica’ que assegura a reprodução dos comportamentos nas sociedades humanas e, no mesmo sentido, de uma memória ‘artificial’, eletrônica em sua forma mais recente, que assegura, sem recurso ao instinto ou à reflexão, a reprodução de atos mecânicos encadeados (Le Goff p. 269 Apud Leroi-Gouhan, 1964-1965, página 422).

As informações sobre a vida da cafetina são informais, imprecisas e dispersas pela imprensa Bauruense e grandes jornais paulistas como Folha de S. Paulo e O Estadão, e alguns poucos vídeos disponíveis na internet. Apenas um livro publicado conta, por meio de uma biografia “romanceada” (grifo da autora) de forma, que não pode ser considerada oficial, a trajetória dela. “Eny e o grande bordel brasileiro”, de autoria do jornalista Lucius de Mello, a publicação revela em 424 páginas, Uma romântica biografia passada nas décadas de 50 e 60, apresentando um dos mais poderosos, famosos e prestigiados templos de sexo do país: A Casa de Eny. Localizada na cidade de Bauru, o bordel recebia celebridades, homens de negócios e até favores políticos (Mello, 2002).

A motivação do autor para a pesquisa e posterior publicação do livro se deve a curiosidade que a figura de Cezarino causou nele. “Quando cheguei em Bauru, muitos moradores vinham me contar fatos da vida da cafetina. Os mais antigos falavam dela com um certo orgulho. Lembravam que, apesar da profissão, ela ajudou muita gente” [5].

Dentre o material encontrado na internet em vídeo (YouTube), cinco vídeos, mesmo que com alguns problemas de som e pouca qualidade, relatam um pouco da vida de Cezarino. Dentre estes vídeos, uma série de quatro micro documentários, de 2009, intitulada – “Memórias - Eny Cezarino”, com autoria de docmemórias, sendo o primeiro com 3’25”, sobre “Eny e a sociedade Bauruense” [6], o segundo com 3’12”, sobre “Vivendo com os bordéis” [7], o terceiro com 2’55”, sobre “Eny e os presidentes” [8], e o quarto com 2’43” sobre “decadência” [9].  Um documentário com 28’35” de 2014 foi produzido pela TV São Manuel – “Eny Cezarino - a casa dos prazeres”[10]. Outro documentário produzido por estudantes da UNESP de Bauru em 2014, com 9’21” - “da chapa, dos trilhos e do puteiro”. [11]

A partir destas poucas fontes tentar-se-á contar um pouco da trajetória desta persona non grata, mas que ficou encravada no inconsciente coletivo da população do interior de São Paulo e do país, mesmo que com uma boa dose de preconceito e até repugnância.

Eny Cezarino (como ficou conhecida) nasceu em São Paulo, em 23 de abril de 1917. Foi registrada como o nome de Emy, mas talvez devido a profissão que seguiu adotou o codinome de Eny, como era de costume naquele tempo e ramo de atividade. De acordo com Jornal da Cidade de Bauru, durante a juventude ela ajudou os pais em uma pensão e só depois optou pela prostituição.

Trabalhou como prostituta em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Paranaguá (PR), a partir dos anos 30. Durante sua estada no Sul, acabou contraindo tuberculose, da qual não conseguia se livrar. Foi por essa época que ela ficou sabendo que em Bauru, cidade de clima mais quente, o mercado da prostituição seria promissor [12].

Em 1946 chegou à Bauru. Primeiramente trabalhou como prostituta no centro da cidade, na Rua Rio Branco. “Sua clientela era tão grande que, em apenas dois anos de serviço, ela conseguiu juntar dinheiro suficiente para se tornar proprietária do bordel onde trabalhava” [13].  Ela não parou por aí. Ousada, em pouco tempo comprou o imóvel ao lado e expandiu seus negócios. Ganhou fama nacional e atraiu políticos como, por exemplo, o ex-presidente Jânio Quadros e artistas como Vinícius de Moraes.

No final dos anos 1960 a Justiça proibiu o funcionamento de prostíbulos no Centro de Bauru. Indo na contramão de suas concorrentes, que se mudaram para região Leste da cidade, Cezarino resolveu inovar indo para a entrada da cidade. “Ela adquiriu um terreno às margens da rodovia Marechal Rondon e construiu seu Eny’s Bar. Na fase áurea, o local chegou a ter churrascaria, piscina e mais de 50 quartos” [14]. O estabelecimento dela ficou conhecido como o maior bordel da história do país - o Restaurante Eny’s Bar (assim é grafia do luminoso que pode ser visto em ruínas na rodovia Marechal Rondon no trevo com CMT João Ribeiro de Barros sentido São Paulo), mas também conhecido popularmente como “casa da Eny”. Tratou-se de um verdadeiro império calcado na prostituição de mulheres, em uma área de 15 mil metros quadrados. Ela ficou conhecida por oferecer “belas mulheres de programa”.  O segredo do sucesso empresarial dela é atribuído ao tratamento oferecido “por saber receber artistas músicos e principalmente políticos” [15] a cafetina Eny Cezarino tornou-se a pessoa mais conhecida da noite em Bauru, São Paulo e porque não dizer do país, nos anos 1970. De acordo com o professor e pesquisador, que trabalhou como repórter fotográfico naquele tempo, Luiz Augusto Teixeira Ribeiro, “a Eny recebia todo mundo muito bem”.  Para ele, o lucro do negócio dela muitas vezes levava alguns homens à falência. “Elas quebraram muitos homens. Eu tenho amigo que na época recebeu uma herança de três fazendas, e ele me disse uma fazenda e meia de café, eu deixei lá dentro”[16]. O jornalista Renato Cardoso também revela um pouco do modus operandi da cafetina:

A Eny faturava um pouco no aluguel dos aposentos, quartos e apartamentos e muito nas bebidas. E aí tinha toda uma jogada que as meninas. O garçom servia uísque que é uma bebida forte para os clientes e pras meninas parecia que era uma bebida ou era um suco, uma bebida leva. Ela não permitia que as meninas se embriagassem. Isso era lei[17].

Ele também comenta da disciplina com que Cezarino conduzia seu empreendimento, “ela tocava sua casa como um negócio e ela tinha um papel duplo. Ela ao mesmo tempo, que era exigente na condução do negócio, exigente com as meninas, exigente com as pessoas que trabalhavam na casa”[18]. Essa disciplina e pulso firme para conduzir o negócio fez com que o mesmo prosperasse. Para ele Cezarino se diferenciava porque, “era uma mulher muito inteligente, era uma mulher que quando ingressou na vida da prostituição já fez isso de uma forma pensada já querendo chegar a casa mais famosa de prostituição do Brasil. E teve. Uma pessoa focada no negócio.”[19]

 

 

2. O conhecimento público daquele tempo

Naquele tempo a fama de Cezarino a tornou em uma espécie de lenda viva na cidade Bauru. Ribeiro contou que a fama dela fazia com que as pessoas quisessem conhece-la. “se vai à Bauru tem que ir na casa da Eny. Porque as pessoas vinham e iam pra casa da Eny. E mais do que isso saiam dizendo. Então mais do que as próprias pessoas fizeram a fama da Eny”[20]. O empresário Claudio Amantini também atesta a fama que ela ganhou, “todos queriam conhecer a casa da Eny. Vinha gente de fora para conhecer. Ela era muito famosa”[21]. Já Lucia Helena Ferraz Santagostinho, que foi a única mulher a falar sobre a vida de Cezarino, aponta o luxo como um diferencial da fama da “cada da Eny”, “você não tinha esse luxo em qualquer outra casa de Bauru, de jeito nenhum. Isso faz a fama” [22].

No site Mulher 500 encontra-se uma pequena descrição de Eny Cezarino, como uma profissional do sexo. O espaço é mantido pela Rede de Desenvolvimento Humano – REDEH, uma organização não governamental que tem como missão, fortalecer os conceitos e práticas que estimulem a eqüidade de gênero, raça e etnia no âmbito das políticas públicas, contribuir para a plena cidadania das mulheres, defesa da qualidade de vida, da justiça social e da democracia [23].

No referido site algumas informações sobre a juventude de Cezarino revelam que duas lembranças a acompanhariam a vida toda. “A descoberta sexual com uma amiga de colégio, dois anos mais velha e a perda da virgindade, com o pai de um amigo, por simples curiosidade” [24].  Outras informações sobre a trajetória desta cafetina revelam, que entre 1963 e 1983, ela viveu o auge do seu negócio. Chegou a ter cerca de 70 garotas de programa, inclusive com estrangeiras, trabalhando em sua casa. “Festas de confraternização de empresas e convenções de políticos, em pleno regime militar, eram comuns” [25]. Ainda sobre estes políticos que frequentavam a “casa da Eny” existem muitos relatos, mas poucos revelam os nomes destes políticos, apenas que vinham deputados, governadores e até Presidente da República.

De acordo ainda com a descrição do site Mulher 500, entre as características do serviço que Cezarino oferecia aos clientes estavam o sigilo e qualidade das profissionais, “meninas bonitas, elegantemente vestidas, asseadas e regularmente atendidas por um médico, que cuidava, ainda, para que não engravidassem” [26]. Em oposição a esta descrição Santagostinho (2014) revela outro lado da vida das “meninas da Eny”, “não era nada disso. Era cruel lá dentro. É claro que elas eram obrigadas a dizer que era tudo ótimo. A gente sabe que os abortos eram feitos lá mesmo. Os médicos iam fazer os abortos lá, e em fim eram obrigadas a abortar”. A entrevistada revela também que existia uma espécie de acordo social na cidade de Bauru. “Essa lenda é para dourar a pírula para que as pessoas continuarem engolindo a Eny. As pessoas que eu digo é a sociedade local”[27].  

Outro diferencial de suas contratadas e que eles podiam estudar, mas eram obrigadas a optar por um dos três perfumes franceses recomendados por “madame Eny”. Além disso, ela fazia questão de cuidar bem de suas “meninas”, com roupas de primeira linha, ela era levada nas melhores casas que tinham em Bauru, normalmente na Casa Capristor, onde a nata de Bauru frequentava, para comprar roupa, fazer modelos e tal. As meninas da Eny frequentavam alí junto com a Eny, pra poder comprar roupa porque elas tinham que ter uma certa apresentação. A Eny exigia muito isso das meninas[28] 

Na apresentação da biografia romanceada Mello (2002) revela o glamour que existia na época sobre Cezarino: Nunca houve uma dona de cabaré como Eny Cezarino. Nos anos 50 e 60, ela esteve à frente de um dos mais poderosos, famosos e prestigiados templos de sexo do país: a Casa de Eny, um verdadeiro cenário hollywodiano recriado na cidade de Bauru , no interior paulista (MELLO, 2002). Além do comércio sexual Cezarino também se envolvia em campanhas políticas, para eleger os amigos. “Aquelas que vinham de fora eram “orientadas” a trazer seu título de eleitora para a cidade”.[29]

A revista Superinteressante, em fevereiro de 2014 resgatou um pouco da história de Cezarino para mostrar a biografia romanceada escrita por Mello. O texto começa com uma analogia entre duas maneiras que a cidade de Bauru ficou conhecida. “Houve um tempo em que a sacanagem era tão associada a Bauru quanto o famoso lanche pedido em todas as padarias e botecos brasileiros”[30]. Essa fama se deve ao sucesso do negócio que Cezarino manteve por mais de três décadas uma das casas de prostituição mais famosa do país e considerada o “Último Grande Bordel Brasileiro” – que intitula a obra referida acima. A matéria termina com um questionamento, que nem os pesquisadores e autores de obras sobre a vida desta mulher enigmática conseguiu responder: “quem foi essa mulher que transformou uma pacata cidadezinha do interior na Meca brasileira dos prazeres carnais?” [31] Responder esta questão com precisão continua até hoje um enigma.

Outras questões envolvendo a trajetória de Cezarino continuam ainda quase, que como lenda. Poucos se arriscam a falar sobre ela, e os que o fazem tem certo receio, de ser associado a ela de forma pessoal. Essa e outras questões ligadas ao preconceito e a discriminação, pode ter levado o autor da única biografia publicada sobre a vida de Cezarino ter incluído a publicação na categoria de biografia “romanceada”. Segundo o autor, que levou dez anos pesquisando a vida da cafetina, algumas pessoas entrevistadas tiveram seus nomes trocados por pseudônimos, porque se sentiram constrangidas com a possibilidade de ser associado a vida dela.

De acordo com Mello (2002) os familiares de Cezarino sempre souberam de sua profissão e se aproveitavam disso para receber mensalmente uma ajuda financeira enviada por ela. “Deles não recebia aprovação e nem desprezo. A exceção era sua avó, Rosa, para quem a neta era filha do pecado e, por isso, nunca mais lhe dirigiu a palavra”.[32]

Talvez para amenizar toda a polêmica que a atividade profissional de Cezarino provocava na cidade de Bauru, algumas pessoas afirmam que ela também fazia caridade. “O dinheiro de Eny financiava creches, escolas e obras sociais mantidas por irmãs de caridade, tornando-se uma figura pública e apesar do preconceito enfrentado, uma benemérita na cidade”[33]. Cardoso também resgata um pouco esse lado caridoso da Cezarino. “Ela ajudava muita gente. Inclusive nesse aspecto, muita criança que ele criou... ela tinha uma espécie de orfanato, onde deixava as crianças e tinha gente cuidando”[34]. Já Ribeiro informa que era uma espécie de creche, onde Cezarino prestava um serviço aos filhos (das suas “meninas”) que nasciam. E Amantini ao se referir ao trabalho social que ela fazia na cidade completa: “Era uma mulher muito honesta, correta”[35].

 

3. A liberdade sexual dos anos 80 afetou o negócio da prostituição

Com o início dos anos 1980 e a avalanche de mudanças pelas quais o país passou, a sociedade começou a mudar tanto política como socialmente. Neste momento, surgiram os movimentos como o de liberação da mulher, entre outros. Considerado como o fim da era industrial e início da era da informação, marcou o Século XX a partir de acontecimentos importantes para a sociedade brasileira.

Entre esses acontecimentos, a mudança de comportamento feminino, com mais liberdade sexual levou o negócio de Cezarino ao colapso. Cardoso contou que a crise no negócio de Cezarino começou quando surgiram os motéis, “aí as meninas, até da sociedade, as meninas de um modo geral começaram a usar os motéis, aí começou a ter uma liberdade maior nesse sentido né. E isso foi determinante para queda da movimentação da casa da Eny”[36].

Em 1982 ele teve que fechar o seu bordel porque já não havia mais tanta clientela interessada em pagar por sexo. Sobre sua decadência, Cezarino culpava, além da mudança dos costumes sexuais os anticoncepcionais, que liberaram às chamadas “moças direitas” ao sexo com os namorados. Outro fator apontado por ela foi a péssima atuação de seu contador. “Vítima de golpes de seu contador, ela se viu obrigada a fechar o estabelecimento e se desfazer do imóvel”[37].

Pobre e doente, ela teve de recorrer ao auxílio de parentes. Tanto luxo e riqueza não impediram que a história de Cezarino tivesse um final melancólico. “Eny faleceu em um quarto do hospital Beneficência Portuguesa, vítima de problemas cardíacos, e foi enterrada no cemitério do Ypê”[38], na cidade de Bauru, em 1987.

A “casa de Eny”, famosa não apenas pelos sanduiches de rosbife que servia, pertence atualmente a um ex-deputado estadual e permanece fechada. Uma frase atribuída a Cezarino revela a consciência que ela tinha dos novos tempos que estavam em curso. “Está na hora de fechar porque a profissional nunca deve perder para uma amadora”[39], ela estava referindo-se a concorrência devido a maior liberdade sexual.

Apesar do império que construiu, chegando a possuir vinte e seis imóveis, Cezarino não teve filhos. Em meio a tantas polêmicas e dúvidas sobre a personalidade dúbia de Cezarino, apenas um grande amor foi encontrado: “ela tinha uma grande paixão, chama-se Maurício. Ele era de origem libanesa, atuava com venda de tecido, então ele viajava muito. Era um homem de uma elegância, muito bem trajado. Ele faleceu em um acidente de carro”[40]. Sobrinho (2014) reitera a convivência de Cezarino com Maurício Diaria, “Chegava a noite, a gente ia na Eny porque ele era namorado dela, vivia com ela, convivia com ela”[41]. Depois da morte dele, Cezarino não teve mais relacionamentos.

Além de polêmica e curiosidade, muitas histórias circulam sobre a existência de um grande bordel na cidade de Bauru e todo o mistério que ele provocava nas pessoas. Ribeiro (2014) relata que naquela época, quando surgiu o tobogã. “Um cara falou se eu ganhar na loteria, eu vou fazer um tobogã da minha casa lá na Eny. Eu quero chegar rodando”[42].

Entre tantas histórias, Santagostinho (2014) relata que tio dela veio à Bauru com a família, e perguntou onde era servido o melhor camarão da cidade? “Ingenuamente disseram que era lá, e ele levou a mulher e filha pra comer camarão no restaurante da Eny”[43]

Outras histórias, que também não revelam os verdadeiros nomes das personagens, porque muita gente na cidade de Bauru as conhece, como Ribeiro (2014) que revelou, a existência de muita gente da alta sociedade Bauruense, que se casou com várias “meninas” vindas da “casa da Eny”, para ele. “Quer dizer ser prostituta não quer dizer que você é uma má pessoa, ser prostituta é como ser uma médica, uma psicológa, uma jornalista. Todos nós fazemos isso, só não cobramos”.[44]

A última notícia publicada na imprensa bauruense, em trinta de abril de 2016 é sobre a oficialização do nome Eny Cezarino (ou Emy) ao viaduto localizado no quilometro 237 da rodovia João Batista Cabral Rennó (Bauru-Ipauçú).  Trata-se de uma homenagem pela atuação dela na área assistencial em Bauru. O viaduto foi construído recentemente e fica a poucos quilômetros do antigo do “Eny’s Bar” - estabelecimento comandado por ela no passado.

Considerações finais

A tentativa de contar um pouco sobre a vida da cafetina Eny Cezarino não é tarefa fácil. As informações sobre essa personalidade marcante da história do Brasil estão dispersas e desorganizadas. A utilização da história oral, como fonte de informação contribuiu para se conseguir relatos sobre a personagem. Muitas pessoas ainda têm receio de falar publicamente sobre uma prostituta. Por isso, poucos depoimentos foram conseguidos. E entre estes poucos depoimentos, apenas uma mulher se dispôs a falar da cafetina. Por isso, não possível determinar que esta é a única trajetória de Cezarino e, sim que esta é uma trajetória possível desta personalidade.

O que você pode contar, efetivamente, sobre a vida da cafetina Eny Cezarino são histórias, que envolvem polêmica, contradição e muito preconceito. Histórias que a colocam por lado como uma heroína e por outro como uma pervertida. Toda essa dualidade entre o bem e o mau são perceptíveis nos relatos encontrados ao longo da pesquisa.

Um elemento fundamental foi a busca da memória, que neste caso, seguiu as proposta de Le Goff ao se mostrar de forma específica e revelar a fixação de comportamentos como o preconceito e a discriminação, no caso da prostituição. Ao mesmo tempo também pode revelar a característica de uma memória étnica, ao assegurar a reprodução destes comportamentos até os dias atuais. Espera-se que a partir da construção de uma memória artificial, por meio desta publicação se possa refletir mais e melhor sobre este passado.

Ao final foi necessário contemplar os vários pontos de vista a respeito da personagem, e toda a contradição que envolveu a vida dela, levando em consideração o tempo e o lugar, em que ela viveu. Um tempo guiado por regras de convivência social baseadas em critérios morais, em plena ditadura militar, e em uma cidade do interior de São Paulo - Bauru.

 

Referências

ALMEIDA, Marco Rodrigo. Livro narra a trajetória da cafetina Eny Cezarino e seu famoso bordel. Folha de S. Paulo, 21 de fevereiro de 2015. Aceso: 24 de abril de 2016. Disponível: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/02/1592467-livro-narra-a-trajetoria-da-cafetina-eny-cezarino-e-seu-famoso-bordel.shtml.

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DOCMEMÓRIAS. – Memórias - Eny Cezarino – parte 2 – Vivendo com os bordéis. Tempo: 3’ 12”. Acesso: 23 de abril de 2016. Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=n90C8mKvrJ0.

DOCMEMÓRIAS. – Memórias - Eny Cezarino – parte 3 – Eny e os presidentes. Tempo: 2’55”. Acesso: 23 de abril de 2016. Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=Ns2jWT-Mif0.

DOCMEMÓRIAS. – Memórias - Eny Cezarino – parte 4 – Decadência. Tempo: 2’43”. Acesso: 23 de abril de 2016. Disponível:   https://www.youtube.com/watch?v=i8lrsLpYjtE.

FORMAL. Dicionário. Acesso: 21 de abril de 2016. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/cafetina/

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JC. Eny vira oficialmente nome de viaduto na Bauru-Ipauçú. Jornal da Cidade, 30 de março de 2016. Acesso: 24 de abril de 2016. Disponível: http://www.jcnet.com.br/Geral/2016/03/eny-vira-oficialmente-nome-de-viaduto-na-bauruipaussu.html.

Le Goff, Jacques. História e memória. 1. Editora da UNICAMP. 1990.

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2002.

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BRASIL. Escola. Brics. Acesso: 25 de abril de 2016. Disponível: http://brasilescola.uol.com.br/geografia/bric.htm.


[1]Mecanismo formado por países chamados “emergentes”, o BRICS possui um grande peso econômico e político e pode desafiar as grandes potências mundiais.  Países que compõe o grupo:  Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Disponìvel: http://brasilescola.uol.com.br/geografia/bric.htm.

[2] Senhora responsável por uma casa de diversão masculina, bordel. Cuida das "meninas" e de suas respectivas agendas. Disponível em:  http://www.dicionarioinformal.com.br/cafetina/

[3]Disponível em:  http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,o-pecado-morava-na-casa-de-eny,20020831p2538.

[4]Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,o-pecado-morava-na-casa-de-eny,20020831p2538

[5] http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u26993.shtml

[6] https://www.youtube.com/watch?v=UYkD0BP540U

[7] https://www.youtube.com/watch?v=n90C8mKvrJ0

[8] https://www.youtube.com/watch?v=Ns2jWT-Mif0

[9] https://www.youtube.com/watch?v=i8lrsLpYjtE

[10] https://www.youtube.com/watch?v=fdAU2Bym0v4

[11] https://www.youtube.com/watch?v=u15Pf1s5_EY

[12] Disponível em: http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=111607&ano=2007

[13]Disponível em:  http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=111607&ano=2007

[14] Disponível em: http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=111607&ano=2007

[15] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rIvKfbeWdNo

[23] http://www.mulher500.org.br/quem-somos/

[24] http://www.mulher500.org.br/acervo/biografia-detalhes.asp?cod=933

[25] http://www.mulher500.org.br/acervo/biografia-detalhes.asp?cod=933

[26] http://www.mulher500.org.br/acervo/biografia-detalhes.asp?cod=933

[27] https://www.youtube.com/watch?v=fdAU2Bym0v4

[28] https://www.youtube.com/watch?v=fdAU2Bym0v4

[29] http://www.mulher500.org.br/acervo/biografia-detalhes.asp?cod=933

[30] http://super.abril.com.br/blogs/historia-sem-fim/o-ultimo-grande-bordel-brasileiro/

[31] http://super.abril.com.br/blogs/historia-sem-fim/o-ultimo-grande-bordel-brasileiro/

[32] http://www.mulher500.org.br/acervo/biografia-detalhes.asp?cod=933

[33] http://www.mulher500.org.br/acervo/biografia-detalhes.asp?cod=933

[34] https://www.youtube.com/watch?v=fdAU2Bym0v4

[35] https://www.youtube.com/watch?v=fdAU2Bym0v4

[36] https://www.youtube.com/watch?v=fdAU2Bym0v4

[37] http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=111607&ano=2007

[38] http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=111607&ano=2007

[39] https://www.youtube.com/watch?v=fdAU2Bym0v4

[40] https://www.youtube.com/watch?v=fdAU2Bym0v4

[41] https://www.youtube.com/watch?v=fdAU2Bym0v4

[42] https://www.youtube.com/watch?v=fdAU2Bym0v4

 

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