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Eduardo Neiva

Por Ana Carolina Temer (UFGO)

Eduardo Neiva:  O cérebro humano e o entendimento universal da comunicação

Eduardo Neiva, baseado nos Estados Unidos há mais de 20 anos, é Professor Titular do Departamento de Estudos da Comunicação da University of Alabama at Birmingham. Sua carreira acadêmica teve início no Brasil, onde foi professor da UFF, da UERJ, e da PUC-Rio de Janeiro, na qual dirigiu o departamento de comunicação na década de PUC do Rio. Seus últimos livros publicados são Mythologies of Vision, Communication Games (traduzido para as línguas portuguesas e chinesa), The Language of Life: How Communication Drives Human Evolution, e o Dicionário Houaiss de Comunicação e Multimídia.

Segundo o próprio autor, sua carreira acadêmica é divisível em dois blocos que não podem ser tomados isoladamente: a fase em que viveu no Brasil (Rio de Janeiro), e a mais recente, nos Estados Unidos, que se inicia com o recebimento de uma bolsa Fulbright do governo americano. Os trabalhos mais significativos da fase carioca são: A Imagem (Ática,1983) e Comunicação: Teoria e Prática Social (Brasiliense, 1990) e Um Inferno de Espelhos: Comunicação, Cultura e Mundo Natural (Rio Fundo, 1991). Na fase americana, as obras são: Mythologies of Vision (Peter Lang 1999), O Racionalismo Crítico de Karl Popper (Francisco Alves, 1998); Communication Games (Mouton de Gruyter, 2007; traduzido para o português como Jogos de Comunicação pela editora Ática em 2009; e que agora está sendo traduzido para o mandarim); The Language of Life (com James Lull, Prometheus 2011) e o Dicionário Houaiss de Comunicação e Multimídia (Instituto Houaiss de Lexicografia e Publifolha, 2013).

Uma definição de comunicação
O ponto central que caracteriza a obra de Neiva é a definição da Comunicação como a principal impulsionadora da evolução, tanto humana, quanto animal. Por causa deste papel na evolução, o autor considera que a área da Comunicação se “relaciona com tudo que há na vida”, e exerce um papel central, como “uma espécie de rainha” das disciplinas, porque tudo passa por ela, como, por exemplo, as transformações sociais e as inovações tecnológicas.
Segundo o autor, a comunicação é a fundação do saber e do ensino universitário. Ainda que tivesse outro nome, o de "retórica", a construção da filosofia clássica se fez a partir da avaliação de discursos e de debates. Sem comunicação, não haveria Platão sem Protágoras, uma vez que não há filosofia sem retórica.

Sobre a comunicação, Neiva toma partido da multiplicidade, do reconhecimento do objeto da comunicação como complexo e transdisciplinar que consegue encontrar expressão. Contudo, no plano mais amplo do delineamento de políticas de ensino e pesquisa, entende igualmente que é necessário expurgar do campo da comunicação uma série de extrapolações indevidas, de elucubrações injustificáveis, no sentido de devolver-lhe a pureza e objetividade que merece.

A partir desta perspectiva, Neiva acredita ser essencial o desenvolvimento dos estudos do cérebro e da cognição, uma vez que ver é fundamentalmente interpretar. Seu trabalho se desenvolve a partir do paradigma de que o cérebro humano constrói mundos possíveis, e não necessariamente o mundo real. E estes mundo/mundos em constantes mudanças, apesar da existência das diferenças, se encontram no órgão humano. Em função disso, a separação do ser humano em grupos não tem nenhum motivo de ser, porque a unidade das coisas está na estrutura do cérebro humano.

O conjunto da obra de Neiva tem como base a ideia de que podemos compreender as situações culturais de uma forma bem diferente daquela proposta pelas hipóteses convencionalistas, que deveriam na verdade ser eliminadas da semiótica da cultura, mas sem deixar de lado a importância da experiência, ou seja, da prática da comunicação.

A obra de maior impacto de Eduardo Neiva publicada no Brasil é Jogos de comunicação: em busca dos fundamentos da cultura. (Coleção: Ática Universidade. São Paulo: Ática, 2009). Nesta obra, o autor faz relações audaciosas e, tendo por base as teorias de Charles Darwin sobre a vida biológica, sobretudo as concepções sobre a seleção sexual das espécies em sua geração de indivíduos imersos em conflitos de interesse, e a teoria dos jogos da economia, Neiva desenvolve um estudo inovador e original, renova os estudos na interface Cultura/Comunicação com uma visão particular da semiótica da cultura e seus vínculos com os estudos da comunicação.

O autor entende que, segundo as teorias convencionalistas, é a cultura, concebida como um sistema de regras exclusivo dos grupos humanos, que estabelece a identidade dos atores sociais. A obra defende a ideia de que, em situações de negociação, debates, ações diplomáticas, conquistas sexuais, não bastam as regras convencionais do jogo político, socioeconômico ou amoroso. O trabalho amplia as fronteiras do pensamento convencional e se propõe a uma melhor compreensão do indivíduo contemporâneo que vive sob a pressão das trocas de informação globalizada e dos organismos de vida artificial, buscando apoio em programas de ação de signos mais eficientes para organizar o processo, favorecendo o desenvolvimento deestruturas cognitivas.

A partir deste ponto, o livro aborda a interação entre jogadores dentro dos sistemas culturais, sendo dividido em três partes: Jogos canônicos, na qual investiga como a ideia atual de cultura ganhou forma; Jogos ancestrais, capítulo no qual o autor busca acabar com a visão de que há uma ruptura entre o mundo humano e o natural na produção da cultura; e Jogos individuais, que aborda a interação entre jogadores dentro de sistemas culturais.

Mas é na sua obra mais recente, Dicionário Houaiss de Comunicação e Multimídia, um livro com informações linguísticas que clarificam, contextualizam e historiógrafa as palavras desse campo, que o autor confessa que, embora não seja lexicógrafo, buscou ampliar sua relação com o país de origem.
Neste trabalho, que o autor confessa o consumiu durante dois anos, dia e noite, todos os dias da semana, lhe permitiu uma compreensão melhor sobre esse campo de estudos ao qual vem se dedicando há 40 anos. A pesquisa envolveu múltiplos assuntos, desde a origem dos símbolos utilizados na internet até questões relativas a prática da informática e da filosofia, ou aspectos antropológicos e biológicos.

Neiva destaca que um dicionário é um instrumento social básico que permitiu que o cérebro humano não crescesse, mesmo que os grupos humanos tenham se expandido tanto. Em função disso, os dicionários da área costumam seguir caminhos específicos, "fundamentalmente profissionais ou teóricos", enquanto o seu busca reunir os dois. Nas 608 páginas, o aspecto profissional ou prático está presente até em instrumentos triviais, como o lápis, além do léxico do século 21, abordando temas que vão do e-mail às redes sociais. A parte teórica envolve abordagens longas sobre Platão ou em verbetes inesperados como biologia, "mostrando que é um fato comunicacional". Já tópicos como "Times of India" e WikiLeaks traçam uma "geopolítica dos meios".

A opção pelos Estados Unidos
Eduardo Neiva radicalizou-se nos Estados Unidos na década de 1980, período que considera ruim para o ensino no Brasil. Segundo o autor, ao integrar o corpo docente da Universidade do Alabama teve que reinventar linguisticamente, em função da dificuldade de trabalhar com elaboração intelectual numa língua estrangeira. Para além da questão da língua, e mesmo já tendo dupla cidadania, Neiva se considera radical e inevitavelmente brasileiro.

Neiva considera a contribuição de autores brasileiros para o desenvolvimento de seu trabalho bem complexa e inclui contatos pessoais com amigos e pesquisadores da área no Brasil, além da leitura de trabalhos e artigos, e a crítica construtiva a ser feita quando essa tarefa me parece digna de ser feita.

Nesta relação, ele enxerga o Brasil como um país moderno com traços e áreas ancestrais, colonial como pós-moderno, no qual o novo e o velho coexistem nas redes sociais, como o Rio é tanto, Um país com tantas vozes e tantas perspectivas só pode ser vibrante e comprometido com as mudanças e transformações da sociedade.

Sobre os Estados Unidos, Neiva explica sua escolha a partir da compreensão que grande riqueza deste país está na área da informação e não mais na manufatura. O autor destaca as universidades americanas como grandes centros de difusão e de produção de ideias, que difundem modelos e práticas de saber. Para ele, o Brasil ainda não acordou para a dimensão informacional, elemento que dá um poder aos Estados Unidos.

Novas tecnologias e novos trabalhos
Um dos pontos de preocupação do autor são as mudanças tecnológicas uma vez que, na sua perspectiva, as redes sociais também afetaram profundamente, a ponto de quase destruírem, a indústria da comunicação e os processos democráticos.

Neiva destaca, como ponto de encontro e de conflito, a presença das redes sociais no Brasil. Para ele, esse espaço permite que se aflore o que há de melhor e de pior nos seres humanos. Segundo o autor, as redes sociais permitem que os protestos sociais se organizem sem o filtro dos partidos; faz tremer os ditadores e governos que ainda usam o modelo do discurso cívico do palanque enquanto as redes sociais estão pegando fogo; divulgam e socializam informações, mesmo sem estabelecer o que seja certo ou errado.

Em uma reação aos imperativos do tecnicismo, Neiva afirma que existe um objeto de comunicação digno de ser teorizado, mas é preciso aceitar e acolher o caráter polimórfico desse objeto, e entender que a evolução tecnológica envolve a necessidade de novos caminhos para os estudos sobre a comunicação. Neste sentido, o autor se apoia na percepção de que Lógica, linguagem, cultura e imagem são apenas algumas das intercessões que surgem no interior do campo múltiplo da comunicação.
Com trabalhos escritos em português e inglês, e traduzidos para o francês, o italiano, o espanhol, o chinês e o japonês, Eduardo Neiva entende que sua contribuição para os estudos da comunicação terá continuidade em trabalhos que ainda não chegaram ao mercado acadêmico brasileiro, e afirma que gostaria de ver traduzido as obras Mythologies of Vision e The Language of Life além de uma série de artigos que aprofundam as teses de Mythologies of Vision, que deve formar um novo livro sobre problemas relativos a uma teoria da imagem.

Referências:
NEIVA, Eduardo. Jogos de comunicação: em busca dos fundamentos dacultura. São Paulo: Ática, 2009.

MAZZACARO, Natasha. Ex-professor da PUC-Rio fala do processo de criação do ‘Dicionário Houaiss de Comunicação e Multimídia’ Jornal O Globo. Caderno Bairros. 04/12/2014 12:00. Disponível em
http://oglobo.globo.com/rio/bairros/ex-professor-da-puc-rio-fala-do-processo-de-criacao-do-dicionario-houaiss-de-comunicacao-multimidia-14727516#ixzz3mIq8Pbg7.Acesso em 20/09/2014.

Walter Lima News. News. Sucesso: I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva. Disponível em http://www.walterlima.net/net/news/sucesso-i-encontro-internacional-tecnologia-comunica%C3%A7%C3%A3o-e-ci%C3%AAncia-cognitiva. Acesso em 21/09/2015.

Meio e Mensagem. NEIVA, Eduardo: Disponível em http://www.meioemensagem.com.br/home/meio_e_mensagem/blog_redacao/2013/12/19/Voce-sabe-o-que-e-selfie--E-deus-ex-machina.html#ixzz3mBKgy3PS. Acesso em 19/09/2015.

TEMER, Ana Carolina Rocha Pessôa. Entrevista com Eduardo Neiva, realizada, via email, em 20 de setembro de 2015.
Autora: Ana Carolina Temer

Professora do Curso de Jornalismo e do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Informação e Comunicação – FIC, da Universidade Federal de Goiás. Pós doutora em Comunicação pela UFRJ. Doutora e mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo.e-mail:

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