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Dom Pedro II

Por Monica Martinez

D. Pedro II: um exemplo de convívio tolerante entre poder e imprensa
Por Monica Martinez - Universidade de Sorocaba (Uniso)

 

Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga (1825-1891) tinha apenas um ano e nove dias quando sua mãe faleceu. O futuro soberano D. Pedro II foi o filho mais novo da arquiduquesa Leopoldina (Carolina Josefa Leopoldina de Habsburgo-Lorena, 1797-1826), de quem herdou os cabelos e a pele claros e os olhos azuis dos Habsburgo da casa da Áustria. Herdou também o interesse pelos livros e pela ciência.     Quando seu pai, d. Pedro I, abdicou do trono brasileiro em 1831 para se tornar o Pedro IV de Portugal (STARLING; SCHWARCZ, 2015, p. 246), deixou um imperador menino − não tinha seis anos − em seu lugar. Para aguardar seu crescimento, durante o período das Regências, contou com uma aia, d. Mariana Carlota, futura condessa de Belmonte, ou Dadama, como a chamava. E um tutor, José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), mentor da Independência. "D. Pedro II foi educado para não se parecer com o pai. Ensinaram-lhe a controlar ódios e amores, a ser contido, racional, equilibrado, previsível." (CARVALHO, 2007, p. 17).

O dia-a-dia do menino era bem regrado e disciplina e pontualidade foram hábitos que lhe ficaram da infância.A maioridade foi apressada para os 14 anos, em 1840, mas o casamento só foi realizado aos 18. Não era considerado um bom partido: a família imperial não era rica, o reino ficava num país distante e havia o mau precedente do pai namorador (CARVALHO, 2007, p. 51). Quem aceitou desposá-lo foi Teresa Cristina de Bourbon,  irmã mais nova de Fernando II, das Duas Sicílias. Decepcionou-se com a mulher baixinha, manca e de cultura modesta que desembarcou no Rio, bem diferente do retrato enviado. "Enganaram-me, Dadama", lamentou-se à aia. Apesar disso, o casamento e a paternidade deram estabilidade ao jovem. Que, embora discreto, também não foi santo: manteve a tradição do pai e teve vários romances. A Condessa de Barral (Luísa Margarida de Barros Portugal, 1816-1891) foi a grande paixão do imperador (DEL PRIORE, 2008). Tutora das princesas Isabel e Leopoldina, era culta, inteligente e versada nos protocolos da corte francesa (CARVALHO, 2007, p. 65).

Adorava viagens, mas só foi para o exterior quase aos 50 anos, quando pode confiar a regência aos cuidados da filha Isabel. A primeira ida à Europa, entre 1871 e 1872, durou dez meses, e se estendeu para o Oriente Médio, África do Norte e Egito. Apaixonado pela tecnologia e cultura estadunidenses, "era um ianque de espírito" (CARVALHO, 2007, p. 167). Em 1876, visitou pela primeira vez os Estados Unidos, abrindo a Exposição Universal de Filadélfia, que lançou o telefone de Graham Bell, a máquina de escrever Remington e o ketchup Heinz.

A segunda viagem internacional, em 1876, englobou a América do Norte, Europa, Ásia Menor e Oriente Médio, neste com passagem por Beirute, Damasco e Síria. "Até então, nenhum governante americano tinha se aventurado por terras tão longínquas" (KHATLAB, 2015, p. 16). Pode "ser considerado o primeiro 'relações-públicas' de alto escalão do Brasil no exterior, apresentando a ideia de um país pacífico, uma população já miscigenada, uma terra repleta de oportunidades comerciais, riquezas e com muito espaço para povoar" (KHATLAB, 2015, p. 17-18). Dominados pelo Império Otomano, os árabes passavam por conflitos socioeconômicos e guerra. "A ideia começou a surtir efeito com a 'grande emigração' de árabes para o país após 1880, quatro anos depois da última viagem do monarca pelo Oriente" (KHATLAB, 2015, p. 17-18). Viajava com dinheiro do próprio bolso, com o qual era parcimonioso. Nunca aceitou aumento na dotação da família imperial, de 800 contos por ano, que em 1940 representava 3% da despesa do governo e, em 1889, 0,5% (CARVALHO, 2007, p. 99).

Há vários marcadores da gênese do jornalismo e uma delas é a liberdade de imprensa (MELO, 2012, p. 12). Neste quesito, o imperador tolerou a "combatividade reformista da imprensa da Corte e sua aproximação com o gosto popular, caracterizada principalmente nas publicações ilustradas, cuja irreverência era notória" (SODRÉ, 2011, p. 346). Charges do imperador eram frequentes, porém nunca ordenou fechar jornais.

Ainda assim, apesar de calejado com o reinado de 49 anos, foi pego de calças curtas com a Proclamação da República ou o golpe militar de 15 de novembro, dependendo do ponto de vista, que expôs "a alienação do imperador em relação à política e perda de controle da situação por parte do governo" (CARVALHO, 2007, p. 206). No fundo, era simpático à República. Nos seus diários, já em 1861, dizia que se pudesse escolher preferiria ser presidente da República ou ministro de Estado. Exilado, um dia lhe perguntaram se não deveria ter resistido à rebelião militar. Respondeu: "Resistir, para quê? O Brasil há de saber governar-se; não precisa de tutor". (CARVALHO, 2007, p. 234).

Referências

CARVALHO, J. M. DE. D. Pedro II: ser ou não ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

CASSOTTI, M. A biografia íntima de Leopoldina. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2015.

DEL PRIORE, M. Condessa de Barral: a paixão do imperador. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

DEL PRIORE, M. Último desejo. Revista de História da Biblioteca Nacional, p. 36, ago. 2014.

KHATLAB, R. As viagens de d. Pedro II: Oriente Médio e África do Norte, 1871 e 1876. São Paulo: Benvirá, 2015.

MELO, J. M. DE. História do jornalismo. São Paulo: Paulus, 2012.

PEDREIRA, J.; COSTA, F. D. D. João VI: um príncipe entre dois continentes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

SODRÉ, N. W. História da imprensa no Brasil. São Paulo/Porto Alegre: Intercom/EdiPUCRS, 2011.

STARLING, H. M.; SCHWARCZ, L. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

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