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Chiquinha Gonzaga

Por Maristela Rocha

Chiquinha Gonzaga: a brasileiríssima que abriu alas e eternizou-se na história
Maristela Rocha - Jornalista e professora, doutoranda em Ciências Sociais pela UFJF


Rio de Janeiro, século XIX. É neste tempo-espaço que se inicia a trajetória de vida de Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847/1935), em uma sociedade colonizada, escravocrata, patriarcal e dominadora. Entre os predicados femininos valorizados, estavam o bordado e o estudo da música erudita para interpretação nos saraus familiares. Dentro desse panorama, poderíamos levantar as seguintes questões: E se uma moça em idade casadoira, pianista aplicada para exibir a sua musicalidade perante as visitas, resolvesse extrapolar as determinações sociais em voga? E se ela se encantasse com os elementos musicais de matriz africana, e resolvesse os incorporar em seus estudos?  

E se ela transgredisse ainda mais, fugindo de casa para participar das manifestações musicais periféricas à sua classe social? Como se não bastasse, e se abandonasse todo o requinte da elite para se tornar uma compositora profissional e uma mulher popular, mantendo relacionamentos amorosos com quem pretendesse? Pois todas essas indagações nos remetem à história da compositora.

Em situação transgressora desde o nascimento, a menina Francisca Edwiges era filha de afrodescendente solteira. Entretanto, acaba sendo registrada pelo pai, Basileu, militar de cor branca, e batizada na Igreja de Santana. Por conseguinte, recebe formação católica, seguindo os costumes tradicionais do Império. A primeira composição, aos 11 anos, tinha intuito familiar e foi apresentada no Natal da família, em 1858: era a loa “Canção dos Pastores”.

A família não imaginava que estava “nascendo” a primeira grande compositora do Brasil. Entretanto, como era de se esperar, mediante uma educação primorosa, não poderia faltar um casamento promissor. Coube, então, ao militar Basileu encaminhar à filha um rapaz próspero de 24 anos. Pretendesse Francisca Edwiges um estilo de vida convencional, esse teria sido um “final feliz”. Entretanto, o casamento é defeito, posteriormente, e Chiquinha segue sua trajetória apenas com o filho mais velho, João Gualberto.

 “Atraente” surge na história da música como o primeiro sucesso de Chiquinha Gonzaga, composta durante uma sessão de choro na casa do compositor Henrique Alves de Mesquita. Posteriormente, Chiquinha integra o famoso Choro do Callado e inicia a vida profissional na música.

Personagem histórica com postura pertinente à condição de outsider (ELIAS & SCOTSON, 2000), Chiquinha Gonzaga, através da sua trajetória pessoal transgressora e da sua obra, contribuiu para a disseminação de princípios e valores republicanos na sociedade. Ademais, trata-se de uma personalidade que foi vanguardista em aspectos relevantes para a história brasileira: primeira maestrina e pioneira no teatro musicado, “A Corte na Roça”, em 1885; precursora na música para carnaval de rua, “Ó abre alas”, 1899 (marcha-rancho, inicialmente utilizada na peça “Não Venhas!”), na luta pelos direitos da mulher e da participação cidadã, integrando movimentos como a Revolta do Vintém, as campanhas abolicionista e republicana; primeira mulher, reconhecidamente, a se apresentar como profissional da música no exterior (1906); e, ainda, vanguardista na luta pelos direitos de autor, ajudando a fundar a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, SBAT, em 1917 (como sócia iniciadora, conselheira e patrona - cadeira nº 1).

Como os vestígios, as pistas que informam sobre a história da imprensa na cidade do Rio de Janeiro podem estar contidas em outras fontes além da mídia tradicional, a obra de Chiquinha se apresenta rica em elementos para análises sociais. A compositora acompanhava, efetivamente, os acontecimentos políticos e socioculturais. Obras como “Animatógrapho”, “Água do vintém”, “Pehô Pekim”, “Carlos Gomes”, “O Diário de Notícias”, “Hino à Redentora”, “O Século” e “Abolindemrepcochindego” comunicam muitos dos acontecimentos no Rio de Janeiro.

A ativa participação de Chiquinha nos meios artísticos, boêmios e políticos, numa cidade que não ultrapassava 400.000 habitantes, fazia dela uma figura pública exposta a toda espécie de comentários: de elogios na imprensa às fofocas cochichadas na rua do Ouvidor, sussurradas pelas famílias e difundidas pelos pasquins.

Foram 88 anos de vida, um casamento desfeito e outros relacionamentos, quatro filhos, o desprezo da família até a morte do pai. Mas, entre perdas e conquistas, Chiquinha se torna a grande dama da música popular brasileira. A “Offenbach de saias” morreu numa antevéspera de carnaval, deixando cerca de duas mil composições de diversos gêneros.

 

Bibliografia

DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga uma história de vida. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1991.

ELIAS, Norbert & SCOTSON, John L. Os Estabelecidos e os Outsiders. Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa. Brasil – 1800-1900. Brasil – 1900-2000. 2 volumes. Rio de Janeiro: Mauad, 2010.

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