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Brasilianismos Comunicacionais

Brasileirismos Comunicacionais (ou) Como erradicar o complexo do colonizado, neutralizando a síndrome do “vira-lata”

José Marques de Melo
Professor Emérito da ECA-USP / Diretor Titular da Cátedra Unesco/Umesp de Comunicação / Presidente de Honra da INTERCOM

 

Empatia, diálogo, reciprocidade e transparência: requisitos fundamentais para desenvolver a cooperação internacional

Quando conquistei o título de Doutor em Jornalismo na Universidade de São Paulo (1973), desbravando um campo acadêmico que possuía escasso prestígio e nula reputação no país, tive a atenção despertada pela supervalorização das fontes estrangeiras. Estas gozavam de credibilidade superior às nacionais, induzindo os novos acadêmicos a combater a “endogamia”. 
A cobrança de alguns catedráticos aos futuros doutores, impondo citações de obras consideradas canônicas, mesmo que desnecessárias, porque longínquas do universo pesquisado, beirava o absurdo.

Este era um sinal da capitulação acadêmica imposta pelo Convênio MEC-USAID , sob o argumento falacioso da equivalência internacional de disciplinas, cursos, instituições. Mas, aquele era o tempo das relações autoritárias na academia, imperando o dogma: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Lauro de Oliveira Lima escreveu Estórias da Educação no Brasil, de Pombal a Passarinho (Brasília, 1974), livro que narra satiricamente a história desse período. Entretanto, Florestan Fernandes faz um diagnóstico problematizador na obra Universidade Brasileira: reforma ou revolução? (São Paulo, Alf-Omega, 1975) e José Arthur Gianotti demonstra que a situação corria o perigo de ficar fora de controle no ensaio-denúncia Universidade em ritmo de barbárie (São Paulo, Brasiliense, 1986).

Estávamos em plena efervescência político-militar, como decorrência do “golpe dentro do golpe” (AI-5, 477 e outros diplomas castradores). A vigilância dentro das universidades sufocava os jovens pesquisadores que evitavam temas controversos. Estes foram explorados pelos cientistas estrangeiros que gozavam de imunidade diplomática e de facilidades econômicas, coletando dados que não circulavam no país, a não ser nos casos particulares selecionados pela imprensa, suscitando polêmicas ou respaldando denúncias. 
Naquela conjuntura, predominavam as fontes portuguesas (para fundamentar as teses históricas), francesas (nas pesquisas de fundo estético-literário ) e norte-americanas (nos estudos de natureza sócio-político).

Intrigava-me o caso norte-americano. Por isso, fui estudá-lo no pós-doutorado (1973-1974). Terminado o inventário, fiquei abismado, pois os brasilianistas dos EUA conheciam mais sobre comunicação no Brasil que os brasileiros. Revelei essa perplexidade em artigo “Estudos brasileiros em universidades dos EUA” publicado na Revista de Cultura Vozes, ano 70, n.4 / maio de 1976. Tais estudos assumiam “proporções crescentes, ano a ano” nas universidades daquele país, mas “nem sempre os resultados das suas investigações repercutem nas universidades brasileiras”. Cuidei também de dar ampla divulgação aos dados holísticos, reunidos e publicados no livro Comunicação, Modernização e Difusão de Inovações no Brasil (Petrópolis, Vozes, 1976).
Comentando recentemente esse episódio, Raquel Paiva percebeu o âmago da questão, ou seja, o “total desconhecimento dessas pesquisas pelos pesquisadores e centros de pesquisa do Brasil.

Movido exatamente por esta preocupação , partiu para recolher tópicos que considerou basilares dessa investigação...” (Paiva, 2013, p. 164) 
Passados muitos anos, constato a mesma perplexidade, buscando uma solução institucional. O Colégio dos Brasilianistas da Comunicação - CBC / INTERCOM pode cumprir esse papel, destinando-se a fortalecer as relações internacionais da comunidade acadêmica brasileira, através do intercâmbio cognitivo de jovens pesquisadores com os seus pares que alcançaram inequívoca maturidade.

A maturidade intelectual do cientista ou docente universitário torna-se inequívoca quando este desenvolve uma atitude empática em relação ao “outro”, mostrando-se disponível para o intercâmbio cognitivo com os jovens pesquisadores, fomentando as relações internacionais no campo a que pertence.

Desta maneira, adota comportamento “dialógico”, buscando conhecer previamente o Brasil: país, povo e cultura para prevenir conflitos cognitivos. Trata-se de fatores inevitáveis em programas de “cooperação” internacional que podem configurar situações de “invasão cultural”.

Instituído pelo Conselho Curador da INTERCOM e implantado pela sua Diretoria Executiva, o projeto vem conquistando adesões significativas, materializadas pela participação voluntária de sócios. Mas também pelo apoio institucional de entidades reconhecidas como a Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação, a TV UNESP de Bauru/SP, bem como outras, em fase de negociação (CIESPAL). Seu lançamento público, na cidade do Rio de Janeiro, no dia 6 de setembro de 2015, durante o XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação mobilizou a vanguarda da nossa comunidade, constituindo um avanço notável, como registrou a Presidente da INTERCOM, Marialva Barbosa, em seu discurso de abertura da sessão inaugural.

Os participantes desse mutirão acadêmico se distribuem em duas categorias: Brasilianistas e Brasilianautas.

Brasilianistas

São Brasilianistas aqueles intelectuais que vivem em outros países e se dedicam ao estudo do Brasil, promovendo a difusão do saber brasileiro e do conhecimento sobre a sociedade brasileira nas universidades em que lecionam.

Como reconheceu oportunamente o professor Francisco de Assis Barbosa, o ensino da História do Brasil nos Estados Unidos alcança patamares de qualidade que superam as instituições dessa natureza, “em todo o mundo, incluindo o próprio Brasil”. Ele não perde a chance de ressaltar a “síndrome do vira lata” que nos entristece irresistivelmente: “Não pode haver nada mais melancólico, para nós, mas esta é a verdade que desafia contestação”. (Barbosa, Francisco de Assis – Apresentação da obra de Skdimore Brasil, de Getúlio a Castelo , Rio de Janeiro, Saga, 1969, p. 5).

Perfilam como Brasilianistas da Comunicação os professores que focalizam o Brasil em aulas para diplomatas, empresários, evangelizadores ou profissionais da mídia, necessitando manter permanente diálogo com o mundo acadêmico do nosso país.

Desse segmento fazem parte os agentes dotados de competência mediana, mas também os que se destacam pela criatividade ou genialidade. Trata-se daquela vanguarda que a tradição popular brasileira convencionou chamar de cobras ou cobrões, termos constantes do Aurélio XXI, ou seja, do Dicionário da Língua Portuguesa que o eminente lexicólogo Aurélio Buarqe de Holanda legou à sociedade brasileira.

Assim sendo, o cobra dos dicionaristas brasileiros, Aurélio, o cobrão da Academia Brasileira de Letras, na página 491 do Novo Aurélio (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1998) registra o significado corrente do termo cobra no ambiente profissional como “perito em seu ofício”, ou perito dos mestres quando é chamado de cobrão.

Brasilianautas

Se o anglicismo Brasilianista tem sido fortemente acolhido no Brasil, significando o oficio dos acadêmicos estrangeiros (Aurélio, ob. cit., p. 330), ou seja, daqueles estudiosos do Brasil que vivem fora do Brasil, adotando uma perspectiva forânea na análise dos processos comunicacionais, tornou-se indispensável inventar um neologismo para identificar o contingente que, denominado nativo (da terra) em oposição a forasteiro (de fora ou estranho) causaria espanto a gregos e troianos, particularmente aos que vociferam cobras e lagartos (Aurelio, op. cit. p. 491), ou melhor, “falam por falar” ou “falam sem pensar”...

Daí a intenção de criar um termo capaz de designar oniricamente a “prata da casa”, convidada a participar desse diálogo ascendente com os Brasilianistas “puro sangue” – geralmente bem aquinhoados com os grants das fundações internacionais e descendente (quase sempre “livre atiradores” procedentes dos países mais ricos ou “estagiários” (oriundos de nações ou comunidades das cercanias geopolíticas ou geoculturais) que aqui aportam munidos de propósitos acadêmicos mas que vão “ficando”, enamorados da paisagem ou de seus habitantes, sem nunca completar o processo de abrasileiramento, típico dos “imigrantes” históricos.

A esses “indecisos” que aqui permanecem, tornando-se brasileiros por “paixão cognitiva” como o fizeram aqueles “forâneos” conscientes de aderir à “amigocracia” brasileira, durante os “anos de chumbo”, os intelectuais orgânicos da Revolução Praieira certamente os rotulariam literariamente como argonautas.

Desta maneira é que optamos pela denominação intencionalmente onírica de Brasilianautas para identificar a comunidade nacional que coopera com a corrente dos Brasilianistas e “curte” seus espaços acadêmicos, com toda a carga de ousadia intrínseca ao comportamento de Frei Caneca. Trata-se de uma faceta pedagógica que o Frei Caneca político eclipsou decisivamente. Discípulo precoce de Quintiliano, o mentor ocidental das teses comunicacionais endógenas, subscritas por Cicero e outros exegetas da Retórica Romana.

Os argonautas de Frei Caneca refluiram ao padrão exógeno do historicismo grego, sem necessidade de dizer amém ao modelo verticalista da eloquência aristotélica, como demonstraram ostensivamente os enciclopedistas franceses ao enunciar sua “árvore” frondosa das ciências do pensar fazendo e do fazer dizendo em voz alta..

Aliás, vale a pena recordar que um dos poucos teóricos do nosso continente a adotar atitude explícita dessa natureza foi o boliviano Luis Ramiro Beltrán, autor do clássico ensaio “Adeus a Aristóteles” (traduzido para a língua portuguesa e publicado na primeira fase da revista Comunicação & Sociedade).

Recentemente falecido em La Paz (Bolivia), pouco depois de haver sido comunicado da sua inclusão no CBC-INTERCOM, por colegas da ABOIC (Asociación Boliviana de Investigadores de la Comunicación) que participaram do Forum CONFIBERCOM-2015, LRB será homenageado no ato público de instalação do CBC-INTERCOM, na cidade do Rio de Janeiro, dia 6 de setembro, na sessão vespertina deste Colégio, durante o XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

Concitados a fomentar o diálogo sul-norte como ponto de partida para formar uma nova vanguarda nutrida pela auto-estima brasileira, a intenção dos visionários desta ousadia epistemológica, denominada Colégio dos Brasilianistas da Comunicação – CBC-INTERCOM, é potencialmente altruísta. 
Pretende neutralizar o complexo de vira-lata que ressurge paradoxalmente no âmbito latino-americano, em plena conjuntura de “euforia bolivariana”,em parte motivado pela Síndrome do Butantã, mal que se manifesta em micro-comunidades temerosas do uso de palavras-chave como cobras ou cobrões, argumentando de forma “politicamente correta”, mas em verdade evitando ser enquadradas na categoria das “cobras criadas”, viveiro literário em que o jornalista Luiz Maklouf de Carvalho situou o repórter David Nasser e seu patrão na revista O Cruzeiro, Assis Chateaubriand . Trata-se de gueto formado pelos intelectuais que se comportam como “serpentes no atalho”, dispostas a destilar “veneno” (ficcional) de acordo com a tipologia esboçada pelo romancista Luiz Beltrão.

A estratégia inicial para enfrentar desafio dessa natureza e complexidade, consiste na adoção de itinerário metodológico suficiente para evitar aquele tipo de “impostura intelectual” denunciada por Sokal & Bricmont”, geralmente ancorada no mal “uso de conceitos” (Mendonça) ou na interpretação equivocada das “aspirações populares” por parte dos intelectuais que desdenharam o poder da informação difundida “boca a boca”.

Ou da opinião assoprada ao “pé do ouvido”, no exato momento em que o parente, vizinho, colega de trabalho, parceiro do carteado, militante de partido político ou redes sociais, engrossa a tese defendida por Kapfeterer sobre a longevidade do boato como a mídia ancestral.

Esse viés cognitivo tem manietado a ação dos Brasilianistas endógenos como foi o caso do patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva, no século XIX. Quando esboçou seus “projetos para o Brasil”, aquele varão paulista que viveu muitos anos na Corte Lusitana, ancorou-se na suposição da fraqueza do nosso povo. Incapaz de expressar suas demandas, emitia simples “murmúrios”, ou seja, muxoxos incompreensíveis.

Esse diagnóstico embasaria mais tarde a tese do mutismo do homem brasileiro e sua inabilidade para o exercício democrático. Defendida pelo educador Paulo Freire no concurso de Cátedra em que foi preterido por colega cujo nome ficou esquecido, essa tese o empurrou para a escrita de obra emblemática, ostentado rótulos que o consagraram mundialmente: pedagogia da opressão, d liberdade, da autonomia, da esperança” etc.

Refletindo sobre a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, a Comunicação dos Marginalizados de Luiz Beltrão e a Epistemologia do Sul de Boaventura Santos, desembocamos na formação de triângulos cognitivos referenciados pelo Saber Hegemônico (Norte-Sul-Norte).

Sua representação gráfica corresponde à pirâmide normal, cujo vértice polariza a força-motriz da Ciência Ocidental , compartilhada pelos EUA, Inglaterra e Alemanha. Sustentada, na base, pelo referencial mítico euro-latino (França e Italia) é compreensível que seja automaticamente legitimada pela nossa oligarquia acadêmica. Monopolista do “poder simbólico” (Bourdieu), temerosa de “desvendar máscaras sociais” (Zaluar), para não perder as benesses controladas pela burocracia estatal, essa fração privilegiada da nossa elite intelectual, faz de conta que nada tenha a ver com os ambientes descritos com argúcia e contundência por Edgard Morin, mas com sensibilidade analítica por Simone de Beauvoir, mas não pode omitir que tais indicadores se reproduzam com intensidade em países do nosso continente. Foi-se o tempo em que era possível tapar o sol com uma peneira...

A interlocução aqui proposta resgata o idealismo democrático de Anísio Teixeira (UDF+UnB), o solidarismo internacionalista de Arthur Ramos (UNESCO) e a pedagogia da liberdade de Paulo Freire, gerando um padrão de “cooperação” negociada e pelas forças convergentes, a seguir anotadas. Torna-se cada vez mais difícil impor esquemas, fluxos ou procedimentos científicos sem que existam dados empíricos consensualmente interpretados.

Personalidades forâneas, aqui listadas por ordem alfabética do prenome, interagem com dois participantes nativos, adotando a mesma numeração, porém claramente identificáveis pelo acompanhamento de uma das letras iniciais do alfabeto: a) Forâneo referencial; b) Nativo sênior; c) Nativo junior.

Portanto, o Colégio terá como elementos referenciais duas categorias: 

Brasilianistas: estrangeiros que estudam o Brasil a partir dos fenômenos comunicacionais e os cidadãos aqui nascidos, mas que se locomoveram para outros países, onde fixaram residência, embora preservando o interesse pelo estudo do Brasil.

Brasilianautas: aqui nascidos e atuantes em pesquisas acadêmicas no campo comunicacional, agindo como parceiros acadêmicos,inspirados nos argonautas de Frei Caneca.

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