RAQUEL BOCATO DA REPORTAGEM LOCAL
A dificuldade para os tímidos no mercado de trabalho começa logo na entrevista. Para eles, é difícil passar por uma bateria de perguntas, mesmo que elas se concentrem apenas em características positivas. Tímido que é tímido detesta falar de suas qualidades.
"Em geral, eles tendem a se autodepreciar. Não conseguem enxergar suas qualidades", informa o psiquiatra Tito Paes de Barros Neto, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Vencido o primeiro bate-papo com o recrutador, vem a fase da dinâmica de grupo, em que é preciso deixar de lado o jeito quieto para participar do processo. De preferência, lançando mão de boa dose de marketing pessoal.
"A dinâmica de grupo favorece bastante a extroversão. O risco [para o tímido] é o de a empresa utilizar essa ferramenta como fator de corte de candidatos", assinala a diretora de consultoria da Career Center, Simone Lasagno. Mas, segundo ela, essa é apenas uma das fases do recrutamento. "O processo seletivo bem-conduzido é composto de entrevista, dinâmica de grupo e entrevista técnica. O tímido tem realizações para contar. A inibição não impede que a pessoa obtenha resultados."
Mal comum
No entanto, a via-crúcis de uma pessoa tímida não termina com a aprovação no processo seletivo. É preciso, depois disso, derrubar os muros que, muitas vezes, afastam-na de seus novos colegas.
"Os acanhados, em geral, são pessimistas. Inventam monstros, têm medo. No entanto, a realidade é muito mais benigna do que eles imaginam", opina o professor do Instituto de Psicologia da USP Aílton Amélio da Silva. Silva, contudo, afirma que uma dose de timidez pode ser benéfica. "O tímido é alguém que espera o melhor momento para se pronunciar, que observa bastante o que acontece", considera.
Por bem ou por mal, o acanhamento ataca diversos profissionais, especialmente quando o tema são palestras e seminários.
Um levantamento elaborado pelo psicólogo Gustavo D'El Rey, com 452 pessoas em São Paulo, mostra que muitos profissionais sofrem com a possibilidade de falar para auditórios lotados.
De acordo com o estudo, 32% reportaram ansiedade excessiva ao falar para um grande público. No total, 13% relataram que o medo de discursar para uma platéia resultou em grande interferência no trabalho, na educação ou na vida social ou, ainda, causou-lhes sofrimento acentuado.
"É preciso procurar tratamento quando a pessoa sente que, de alguma forma, a timidez interfere negativamente na vida pessoal ou profissional", assinala D'El Rey.
Especialistas não falam em cura, mas dizem que há técnicas para reduzir a timidez e, principalmente, os sintomas a ela relacionados. "Pode-se sugerir terapia ou mesmo a adoção de medicamentos", afirma Barros Neto.
Fonte: Folha de São Paulo, Raquel Bocato, 19 de março de 2006.